Jorge Luis Borges. Fora de sintonia com os outros ícones da Argentina

Jorge Luis Borges. Fora de sintonia com os outros ícones da Argentina

Norman Berdichevsky (Escritor convidado)

Jorge Luis Borges foi um contista, ensaísta, poeta e tradutor argentino, e, uma figura-chave na literatura em língua espanhola. Nasceu há 120 anos em Buenos Aires. Hoje, a maioria dos argentinos o citaria como um de seus filhos nativos mais ilustres, mas até bem pouco tempo atrás o seu nome e a sua obra eram um anátema para a elite dominante do país, muito embora poucos americanos ou britânicos reconheçam hoje a sua  reputação e as suas realizações.

Compare isso com o reconhecimento quase universal fora da Argentina de quatro heróis virtuais das massas com enorme apelo mundial. Entre em qualquer loja de souvenirs de Buenos Aires e é provável que existam dezenas de camisetas, faixas, gravações e outros itens de celebridades em exibição na vitrine com imagens dessas quatro pessoas. Existe alguém que não reconheça ‘Evita’ (Eva Perón), Che Guevara, o ídolo revolucionário da Revolução Cubana, Diego Maradona, a supre-estrela de futebol que ganhou o apelido de ‘Mão de Deus’ por ter trapaceado em uma partida, tocando na bola para marcar um gol, e, Carlos Gardel, o trovador de tango e estrela de uma dúzia de filmes de sucesso?

O regime peronista e seus sucessores (outro casal de marido e mulher, Nestor e Cristine Kirchner, foram presidentes do país de 2003 a 2015) usaram a enorme popularidade desses quatro ícones culturais para se identificar com as massas, compartilhando o que eles retratavam como os traços mais característicos da dinâmica e volátil ‘personalidade’ argentina, – extrovertida, patriótica, heroica e viril –, conforme imortalizada nos contos populares sobre os gaúchos e o sua rústica cultura pastoral.

Jorge Luis Borges teve que lutar a vida inteira para demonstrar a sua própria versão de uma nação orgulhosa, culturalmente madura, tolerante e cosmopolita. Em razão disso, o regime peronista o utilizou como um contrapeso em sua caracterização de todos aqueles traços e visões políticas que detestava.

Borges era simpático à causa dos aliados na Segunda Guerra Mundial e tido como pró-britânico e pró-americano numa época em que o governo argentino tomou o curso pró Alemanha, e, pediu a nacionalização das empresas estrangeiras ‘ianques’ ou anglo-saxãs.

 O lugar de Borges está agora firmemente estabelecido, sendo que hoje ele é considerado um dos maiores escritores do país, apesar da controvérsia que o envolveu. As suas obras contribuíram para a literatura filosófica e o gênero da literatura fantástica, e, ele é considerado pelos críticos como o iniciador daquilo que é hoje conhecido como o ‘movimento realista mágico’ na literatura latino-americana do século XX. Ele foi indicado várias vezes ao Prêmio Nobel de Literatura e seu fracasso em conquistá-lo se tornou fonte de controvérsia política durante décadas.

Há meio século, quando Ficciones (Ficções), a coleção inovadora de Borges, foi publicada pela primeira vez em inglês, ele era praticamente desconhecido fora dos círculos literários de Buenos Aires e de Paris, onde o seu trabalho havia sido traduzido na década de 1950. Em 1961, ele foi catapultado para o cenário mundial quando os editores internacionais lhe concederam o primeiro Prêmio Formentor pela sua notável conquista literária. O prêmio estimulou as traduções inglesas de Ficciones e Labyrinths, o que deu notoriedade a Borges.

Cegueira

Borges ficou completamente cego aos 55 anos de idade devido a um ferimento na cabeça e a uma doença hereditária grave contraída, quando ainda tinha pela frente 25 anos como escritor prolífico. Os estudiosos sugeriram que a sua cegueira progressiva o ajudou a criar símbolos literários inovadores através da imaginação. Talvez seja por isso que ele não aprendeu braille.

Nem a coincidência nem a ironia de sua cegueira como escritor escaparam de Borges, que escreveu

Ninguém deve ler autopiedade ou censura

nesta declaração da majestade

de Deus; que, com uma esplêndida ironia,

Concedeu-me livros e noite com um toque.

Nascido em Buenos Aires, mudou-se com a família para a Suíça em 1914, onde estudou no Collège de Genève. A família viajou amplamente na Europa e depois retornou à Argentina em 1921, após o fim da Primeira Guerra Mundial, quando Borges começou a publicar seus poemas e ensaios em revistas literárias.

O pai, Jorge Guillermo Borges Haslam, era advogado e aspirava ser escritor. A sua mãe era uma inglesa, Frances Ann Haslam. Os jovens Borges, portanto, cresceram falando inglês, tanto em casa quanto durante as viagens em família à Europa.

O jovem Jorge Luis disse que seu pai ‘tentou se tornar escritor e falhou na tentativa’ e lembrou em uma entrevista que

Como a maioria do meu povo era soldado e eu sabia que nunca seria, senti-me envergonhado, muito cedo, por ser um tipo de pessoa de livro e não um homem de ação.

Mais tarde, quando adolescente, ele transformaria essa vergonha em orgulho.

Borges foi educado em casa até os 11 anos de idade, era bilíngue em espanhol e inglês, e, aos doze anos de idade, lia Shakespeare no original. A família morava em uma casa espaçosa com uma biblioteca inglesa de mais de mil volumes; sob a tutela de sua  avó, ele aprendeu a ler inglês antes que pudesse ler espanhol. Conforme o jovem Borges observou,

Era tacitamente entendido que eu tinha que cumprir o destino literário que as circunstâncias haviam negado ao meu pai. Isso era algo que era dado como certo. . . Eu deveria ser um escritor.

Jorge Luis e sua irmã Norah frequentaram o ensino médio na Suíça. Ele recebeu o seu diploma de bacharel no Collège de Genève, em 1918. Depois de retornar à Argentina, ele trabalhou duro em seu estilo de escrita – já estando com trinta e poucos anos quando publicou o seu primeiro conto.

Somente um tradutor muito habilidoso pode transmitir um pouco da surpresa e choque que os leitores de Buenos Aires sentiram quando leram a ficção de Borges pela primeira vez. Mais de um editor rejeitou um manuscrito dele, alegando que o trabalho era totalmente intraduzível.

Sucessos: Ficciones e El Aleph

Borges tornou-se amplamente conhecido após a publicação de Ficciones e El Aleph. São compilações de contos interconectados por temas comuns, especialmente sonhos, espelhos, labirintos, filosofia, bibliotecas, espelhos, tigres, rosas, mapa, matemática, rios, escritores de ficção e mitologia. ‘Aleph’ é a primeira letra do alfabeto hebraico e tem um significado esotérico na Cabala, no que se refere à origem do universo, o ‘primordial que contém todos os números’.

Na história de Borges, o Aleph é um ponto no espaço que contém todos os outros pontos. Ele contém tudo no universo simultaneamente de todos os ângulos. Borges especulou frequentemente sobre esse tema, do infinito e das múltiplas personalidades dentro do indivíduo.

Ele também trabalhou como bibliotecário e professor. Em 1955, foi contratado como professor de literatura inglesa na Universidade de Buenos Aires, e tendo sido nomeado diretor da Biblioteca Nacional, encantou-se com o título de ‘O bibliotecário supremo’, embora este tenha sido usado por seus críticos para retratá-lo como um intelectual não familiarizado com o estilo de vida ativo e a natureza aventureira dos gaúchos, bem como com as figuras militares que representavam traços masculinos nacionais.

Na década de 1960, a obra de Borges foi traduzida e amplamente divulgada nos Estados Unidos e na Europa. Todas as imagens que ele usou refletiam sobre como o indivíduo se vê em meio à condição humana e aos enigmas do universo e da existência.

Uma breve nota de advertência sobre seus escritos: Borges usa muitos pontos e vírgulas para reprimir sutilmente a maioria das três pequenas palavras que todos usamos com tanta frequência em inglês (e seus equivalentes em espanhol) – ‘e’, ‘mas’, e ‘então’ –, para mostrar a conexão entre duas cláusulas; é claro que não podemos ver o ponto e vírgula ao ouvir, e é por isso que é preciso ter cuidado ao ler um trecho de Borges em voz alta.

Borges foi ajudado em sua carreira por Victoria Ocampo, uma conhecida intelectual argentina que ele descreveu como sendo ‘a mulher argentina por excelência’. Conhecida como defensora de outros intelectuais e como editora da lendária revista literária Sur, ela era também escritora e crítica. A sua irmã, Silvina Ocampo, também uma escritora conhecida, era casada com Adolfo Bioy Casares, um colaborador próximo de Borges.

Em 1932, Borges conheceu Adolfo na casa de Victoria. Lá, ela costumava receber figuras internacionais diferentes e organizar celebrações culturais, uma das quais acabou reunindo Borges e Bioy Casares. Tornaram-se amigos instantâneos e colaboradores ocasionais. Depois de se encontrarem no evento, eles se afastaram dos outros convidados, apenas para serem repreendidos pela anfitriã. Essa censura os levou a deixar a reunião e retornar à cidade que selou uma amizade de vida e muitas importantes colaborações literárias.

Usando pseudônimos, Borges e Bioy Casares trabalharam juntos em diversos projetos, de contos a roteiros de filmes, e até ficção fantástica; entre 1945 e 1955, eles dirigiram ‘O Sétimo Círculo’, uma coleção de traduções de populares contos ingleses de detetives, um gênero que Borges admirava muito.

Quando , em 1941, Borges escreveu a primeira das suas três histórias de detetive, El Jardín de senderos que se bifurcan (O jardim dos caminhos que se bifurcam), ele fez isso como parte de uma iniciativa mais ampla para marcar o centenário da publicação de Os crimes da rua Morgue (The Murders in the Rue Morgue; Crímenes de la cale Morgue;), de Edgar Allan Poe. Naquele mesmo ano, ele também assistiu à edição inaugural da Revista Mistério, de Ellery Queen*, que promovia a excelência no gênero conto. Borges adorava as histórias de crimes e mistérios. Sabia como provocar o interesse do leitor acerca de quem era o culpado, e assim, manter a tensão até o fim.

Após o sucesso de sua história de mistério, Borges formulou 6 regras para escritores de ficção de detetive. Para aqueles leitores que sempre quiseram escrever uma história de detetive do tipo ‘quem-é-o-culpado’, e estão familiarizados com o inteligente jogo de tabuleiro ‘CLUE’, Borges recomendou que os suspeitos se limitassem a não mais que seis. Ele desencorajou especulações sobre seus aspectos psicológicos e pistas sobre os seus motivos, insistindo apenas no modus operandi.

A vida dos gaúchos nos pampas

Borges escreveu relatos fictícios da vida entre os gaúchos no pampa em apenas algumas ocasiões, principalmente nos contos El Sur (O sul) e El muerto (O morto). Ele percebeu o papel essencial dos gaúchos na formação do país, e, desejou mostrar seu respeito pelo seu caráter forte e suas virtudes masculinas, mas a sua visão era claramente a de alguém distante de sua realidade.

Borges zombou do desejo dos sofisticados homens da cidade de imitar a vida dos gaúchos, o que é fadado ao fracasso devido ao fato de que lhes falta a astúcia (talvez ele estivesse escrevendo sobre si mesmo).

Uma parte da escrita extraordinária de Jorge Luis Borges está contida nas várias formas de prosa de não ficção, como prólogos, palestras e observações sobre política e cultura. Os seus escritos costumam ser chamados de demasiadamente intelectuais, e, de fato, são repletos de alusões. Borges gostava de paralelos, de repetições sutis com variações; a sua indulgência em ‘chocar’ o leitor foi o ‘deslocamento de adjetivos’ como em … os leitores em suas ‘lâmpadas estudiosas’.

Aqui está um comentário típico de um dos muitos críticos (‘Minatures of a Giant’ (Miniaturas de um gigante), de Mildred Adams, New York Times, maio de 1967):

O mito de Jorge Luís Borges, desde pelo menos os últimos vinte anos, tem atraído a atenção das pessoas interessadas na literatura latino-americana. Esse homem, dizem os seus admiradores, não é apenas o grande escritor sul-americano, mas é também excelente em qualquer geografia. No entanto, sua escrita é. . . arcaísta, excessivamente sutil, de um intelectual arrogante que não se importa em se fazer entender. . . Um recôndito o morador de uma torre de marfim. . . Argentino por nascimento e temperamento, mas alimentado pela literatura universal, Borges não tem uma pátria espiritual.

Engajamento político

Borges era um forte oponente do regime peronista (ver na New English Review o meu ensaio ‘Hillary & Evita and their Respective Banana Republics’ e o ensaio I Cry for you Argentina!, de Anônimo Argentino). Ele expressou abertamente seus sentimentos mais profundos, mas não em seus escritos. Ele se considerava um dedicado antifascista e anticomunista, e, detestava o regime do general Juan Perón e sua cultura ultra machista, compartilhada por muitos argentinos da classe trabalhadora, que eram intolerantes com gays, mulheres feministas e judeus. Devido a esses pontos de vista, ele foi atacado como um intelectual cosmopolita rico e esnobe, e como um inimigo da classe trabalhadora e das ‘pessoas comuns’.

Em 1946, o presidente argentino Juan Perón, com a assistência de sua esposa, ‘Evita’, começou a transformar a Argentina em um Estado de partido único. Quase imediatamente, o ‘sistema dos despojos’ (do termo inglês, spoil system, que significa a prática do partido político no poder de conceder cargos públicos aos seus aliados) passou a ser a regra do dia, e os críticos ideológicos do Partido Justicialista (Partido da Justiça Social) foram demitidos de seus empregos no governo.

Durante esse período, Borges foi informado de que estava sendo ‘promovido’ de sua posição na Biblioteca Miguel Cané para o cargo de inspetor de aves e coelhos no mercado municipal de Buenos Aires. Ao exigir saber o motivo, Borges foi informado: “Bem, você estava do lado dos Aliados, o que você esperava?” Borges demitiu-se no dia seguinte.

Borges acreditava que Juan e Eva promoviam um culto com as suas políticas destinadas a cultivar o afeto das massas. Eles foram a fonte do movimento político que adotou o ideal de justiça social, aproveitando os sentimentos de inveja para acomodar os interesses primordiais dos pobres. Essa forma de governo, fortemente controla e subsidia muitos sindicatos laborais, e, fortemente defende os militares, a indústria privada, e as obras públicas.

Os Peróns: populistas de direita ou de esquerda?

A Argentina foi pressionada pelos Aliados a declarar guerra à Alemanha e ao Japão nas últimas semanas do conflito. Após a Segunda Guerra Mundial (o que foi economicamente extremamente benéfica para a Argentina), a ineficiência do regime peronista levou ao declínio da economia do país, à falência dos serviços públicos, às indústrias sem lucro e ao fortalecimento do controle sobre os sindicatos laborais.

As políticas e ideias de Perón eram inicialmente populares entre uma ampla variedade de grupos diferentes em todo o espectro político. Perón podia identificar as grandes empresas petrolíferas americanas como sendo os seus alvos de ataque em seus discursos públicos, enquanto que, na surdina, assinava acordos lucrativos com elas. Nacionalizou as ferrovias de propriedade britânica e algumas das maiores corporações, e, ao mesmo tempo, protegeu e ganhou o apoio dos principais sindicatos laborais que concordaram em renunciar ao direito de greve.

O tratamento de Perón a Borges se tornou uma causa famosa da intelligentsia argentina. A Sociedade Argentina de Escritores, conhecida em espanhol pela sigla SADE, realizou um jantar formal em sua homenagem, no qual foi lido um discurso que Borges havia escrito para a ocasião:

Ditaduras geram opressão, ditaduras geram servidão, ditaduras geram crueldade; e o que é mais repugnante ainda, é o fato de que elas criam imbecilidade.

Após o golpe que derrubou Perón em 1955, Borges apoiou os esforços para se livrar do culto peronista e desmantelar o antigo ‘Estado de bem-estar social’ que ele criara. Borges estava furioso com o fato do Partido Comunista da Argentina ter adotado uma política zigue-zague de críticas e colaboração com Perón, e os atacou bruscamente em suas palestras e por escrito. A sua oposição ao partido e à subserviência deste a Moscou levaram a uma briga permanente com a sua amante, a comunista argentina Estela Canto.

 A definição de Borges do dever do escritor

Durante uma conferência de 1971 na Universidade de Columbia, um estudante de ‘redação criativa’ (em inglês, creative writing) perguntou a Borges o que ele considerava ser ‘o dever de um escritor para com a sua época’. Borges respondeu:

Eu apenso que o dever de um escritor é ser um escritor, e se ele pode ser um bom escritor, ele está cumprindo seu dever. . . Sou conservador, odeio os comunistas, odeio os nazistas, odeio os antissemitas, e assim por diante; mas não permito que essas opiniões cheguem aos meus escritos – em geral, eu procuro mantê-las em compartimentos estanques. Todo mundo conhece minha opinião.

Tanto antes quanto durante a Segunda Guerra Mundial, Borges publicou regularmente ensaios atacando o estado policial nazista e seu antissemitismo racial. Em 1934, os ultra nacionalistas argentinos, solidários a Adolf Hitler e ao Partido Nazista, afirmaram que Borges era secretamente judeu e, portanto, não era um verdadeiro argentino. Borges respondeu com o ensaio ‘Yo, Judío’ (eu, judeu), uma referência à velha frase ‘yo, argentino’ (‘eu, argentino’), usada como defesa, durante os pogroms aos judeus argentinos, para esclarecer aos potenciais agressores que uma vítima pretendida não era judia.

A sua indignação foi alimentada por seu profundo amor pela literatura alemã. Em um ensaio publicado em 1937, Borges atacou o uso de livros infantis pelo Partido Nazista para inflamar o antissemitismo. Ele escreveu: “Não sei se o mundo pode passar sem a civilização alemã, mas sei que é um crime a sua corrupção pelos ensinamentos de ódio”.

Em um ensaio de 1938, Borges revisou uma antologia que reescreveu textos de autores alemães do passado para encaixá-los na linha do partido nazista. Ele ficou enojado com o que descreveu como a “descida caótica à escuridão” e à consequente reescrita da História. Ele argumentou que esses livros sacrificavam a cultura, a história e a integridade do povo alemão em nome da restauração de sua honra nacional. Esse uso de livros infantis para propaganda, ele escreve, “aperfeiçoa as artes criminosas dos bárbaros”.

 No mesmo ensaio, ele diz que se orgulharia de ser judeu, com um lembrete de que qualquer “castelhano puro” poderia ter ascendência judaica de um milênio atrás.

Visita ao Chile e o Nobel

Nos anos posteriores, Borges frequentemente expressava desprezo pelos autores, poetas e intelectuais marxistas e comunistas. Em uma entrevista, Borges referiu ao poeta chileno Pablo Neruda como ‘um poeta muito bom’, mas um ‘homem muito mau’ por apoiar incondicionalmente a União Soviética.

Até sua morte em 1986, o nome de Borges sempre permaneceu na lista de candidatos ao Nobel, mas os decisores nunca o concederam. As repetidas rejeições da Academia tinham mais a ver com política do que com literatura. Muitos atribuíram, por anos a fio, que o motivo da rejeição foi a visita que ele fez ao Chile em 1976, a convite da Universidade do Chile, durante a ditadura chilena.

O poeta sueco Artur Lundkvist, que mais tarde foi nomeado secretário permanente da Academia Nobel, era especialista em literatura latino-americana e responsável pela introdução do trabalho de Borges em seu país, confirmou a suspeita em uma entrevista: “A sociedade sueca não pode recompensar alguém com esse antecedente de ter visitado o Chile e conceder o Prêmio Nobel a alguém que havia expressado simpatia por Pinochet“.

Vida pessoal posterior

Em 1967, Borges  – então com 68 anos – casou-se inesperadamente com Elsa Astete Millan, que era 11 anos mais nova que ele. Uma viúva, Elsa tinha sido uma das primeiras chamas do ‘Georgie’ (como Borges era conhecido na intimidade). O casamento durou menos de três anos. Parece que o casamento deles na terceira idade ocorreu por razões completamente não românticas: Borges era cego e precisava de alguém para cuidar dele, já que a sua pertinaz mãe já tinha mais de 90 anos. Elsa pode ter tido alguma afeição inicial por Borges enquanto jovem, mas pode ter sido uma interesseira de meia-idade.

 De 1975 até sua morte, Borges viajou internacionalmente. Nessas viagens, ele era frequentemente acompanhado por sua assistente pessoal, María Kodama, uma mulher argentina de ascendência japonesa e alemã. Em abril de 1986, alguns meses antes de sua morte, ele se casou com ela por procuração no Paraguai, o que era uma prática comum para contornar as leis argentinas da época em relação ao divórcio.

 Borges declarou-se um agnóstico, esclarecendo: “Ser agnóstico significa que todas as coisas são possíveis, até Deus, até a Santíssima Trindade. Este mundo é tão estranho que qualquer coisa pode acontecer ou pode não acontecer”.

 O que Borges queria que lembrássemos, caso quiséssemos ser escritores, era que usássemos as nossas vidas e as nossas experiências como a melhor matéria-prima. Ele frequentemente repetia esse conselho para potenciais escritores.

 Maria Kodama pôde comemorar a inauguração de uma nova estátua memorial, que desde então se tornou um local de peregrinação para muitos fãs do grande autor. Mesmo os dignitários visitantes, incluindo diplomatas que talvez nunca leram um livro, um poema ou artigo de Borges, prestaram homenagem ao homem que conhecem como sendo uma grande figura cultural no país, e, como um sinal de cortesia diplomática.

* Ellery Queen é um dos heterônimos coletivos criado em 1929 pelos primos Frederico Danai e Mangres B. Lei, dois prolíficos escritores norte americanos de romances policiais. É também, ao mesmo tempo, um personagem fictício dos romances produzidos por aqueles autores. Wikipédia.

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Artigo publicado na New English Review em setembro de 2019. Norman Berdichevsky é editor contribuinte da New English Review e de PortVitoria, e autor de The Left is Seldom Right (A esquerda raramente está certa) e Modern Hebrew: The Past and Future of a Revitalized Language (Hebraico moderno: o passado e o presente de uma língua revitalizada).