Jo Pires-O’Brien
A ocupação humana da Noruega começou ainda no alto Paleolítico, há onze mil anos atrás, quando havia um istmo da plataforma continental ligando as Ilhas Britânicas à Jutland. O registro arqueológico da região começa em 9200 a.C., sendo comprovado pelos resquícios do povoado submerso de Doggerland cuja submersão foi causada pelo tsunami de Storegga Slide, um dos maiores do Holoceno. Os primeiros habitantes da Noruega atual chegaram lá por volta do ano 7000 a.C., quando terminou a última idade do Gelo e o país se tornou novamente habitável. A agricultura foi introduzida na Noruega por volta de 3.000 a.C. quando os agricultores usavam apenas implementos de pedra. Implementos de bronze apareceram após o ano 1500 a.C. e de ferro em torno de 500 a.C. Considerando-se apenas o registro escrito, os mais antigos são as ‘runas’ ou letras do alfabeto escandinavo-germânico antigo, possivelmente baseado no alfabeto etrusco. A inscrição mais antiga é a de uma ponta de fecha, datada do ano 200 d.C.
A história da Noruega começa dentro da história do Povo Nórdico, que inclui além da Escandinávia –a península norte da Europa –, a Islândia, as ilhas Faröe e a Finlândia. Os chamados ‘Homens do Norte’(Norsmen, em inglês), que os habitantes da Inglaterra chamavam de Vikings e os francos chamavam de Normandos, dominaram a Escandinávia entre 750 e 1066 d.C.
O termo inglês ‘Viking’ é um verbo que descreve o que Homens do Norte faziam, isto é, o tipo de pirataria feita contra as povoações da costa ao invés daquela feita por um navio a outro. A narrativa histórica da Escandinávia começou no registro oral e foi posteriormente gravada nas ‘sagas’ escritas na língua nórdica antiga. O poder dos Vikings estava ligado aos seus longos navios de pinho norueguês, que eles utilizavam para fazer incursões de saques na Escócia, Inglaterra, Irlanda e França.
No século nove a Escandinávia já era dividida em diversos reinos que incluía a Noruega e a Suécia, na península propriamente dita, e a Dinamarca, que ficava nas ilhas Dinamarca e Jutland. No final do mesmo século, Harald Fairhair ganhou o controle da região e se proclamou rei da Noruega, embora ele só tivesse o controle de uma parte do país. Dois dos sucessores de Fairhair tentaram cristianizar a região mas não tiveram sucesso. O próximo monarca, Olaf Haraldson, que governou a Noruega de 995 a 1000, conseguiu a cristianização do país e das ilhas associadas. No governo de Haakon IV, entre 1217 e 1263, a Noruega teve um período áureo de estabilidade e crescimento.
A região da Noruega entrou em declínio com a chegada da Peste Negra em 1349 (veja mais abaixo). A Peste Negra, que se originou na Ásia Central, já havia chegado a outras partes da Europa mas até então a Escandinávia estava livre da mesma. Transmitida por ratos, a Peste Negra tem três variedades: a bubônica, a pneumônica e septicêmica. A contaminação da Escandinávia ocorreu quando um grupo de marinheiros noruegueses subiram num navio inglês que se encontrava à deriva na costa de Bergen, e tendo encontrando toda tripulação morta, decidiram trazer os corpos para terra a fim de enterrá-los num cemitério. A Peste Negra foi terrível para a população da Noruega devido à pobreza e à alta densidade populacional das cidades, matando mais da metade da população. Em 1319 quando o rei Erik da Noruega foi eleito rei dos suecos e as duas coroas se uniram. Nesse mesmo século quatorze a Noruega esteve unida à Dinamarca e à Suécia, mas a Suécia se desmembrou do grupo em 1523.
A Noruega permaneceu unida à Dinamarca até 1814 quando passou para o domínio da Suécia, depois que a Suécia invadiu a Dinamarca e a obrigou a assinar o Tratado de Kiel para restabelecimento da paz. Em troca da Noruega a Suécia reconheceu a soberania da Dinamarca sobre as Ilhas Faröe, a Islândia e a Groelândia. Conforme já mencionado, a independência da Noruega se deu em 1905, após um acordo pacífico de separação da Suécia. Após ganhar a sua independência, a Noruega organizou um referendo a fim de decidir a forma do novo governo. Nesse referendo os noruegueses optaram pela monarquia e elegeram como monarca o príncipe Carl da Dinamarca, que se tornou o Rei Haakon VII.
Etnicidade, Cristianização e Língua
A maior parte da população da Escandinávia tem origem teutônica pois descendem de diversas tribos germânicas que ocuparam o sul da Escandinávia, onde atualmente é parte do norte da Alemanha. Embora alguns Vikings tivessem eventualmente se assentado nas remotas ilhas da costa da Escócia e na Ilha do Homem, entre a Inglaterra e a Irlanda, e lá vivido pacificamente, eles eram temidos pelas incursões de ataques, saques e extorsões à Inglaterra e às regiões costeiras da França. A região francesa da Normandia foi uma espécie de suborno pela paz que o rei da França concedeu aos Vikings. Tal concessão é tida como um dos motivos do enfraquecimento do império Carolíngio que eventualmente se extinguiu.
Muito antes da conquista da Grã-Bretanha pelos Normandos em 1066, os Vikings já se consideravam senhores da Inglaterra. Durante o reinado de Aethelhead II, a Inglaterra sofreu terríveis ataques dos Vikings. Acusado de ser um monarca incapaz de defender o reino, em 13 de novembro de 1002, Aethelhead ordenou o massacre de todos os nórdicos que viviam na Inglaterra, o que incluiu pessoas que já eram bem integradas na sociedade inglesa, sendo possivelmente a primeira lavagem étnica da história europeia. Aethelhead só conseguiu se manter no trono às custas de pagamentos aos Vikings, mas foi eventualmente vencido pelo líder Viking Swein ou Svend Tveskaeg (Barba Forcada), que era rei da Dinamarca. Felizmente para Aethelhead II o rei Swein faleceu em 1016 e ele pôde retornar do exílio na Normandia, reinando por um segundo período de 1014 a 1016.
Apenas depois de ser cristianizada a Escandinávia tornou-se menos propensa à violência. A campanha de cristianização da Escandinávia foi iniciada entre os séculos oito e o doze. Em 1015 Olavo II Haraldssom tornou-se o primeiro rei da Noruega e começou uma campanha de cristianização da região. Arquidioceses ligadas ao Papa, em Roma, surgiram na Dinamarca, Noruega e Suécia em 1104, 1154 e 1164. Embora a cristianização da Escandinávia tivesse permitido a sua integração com o resto da Europa através do comércio marítimo, ela também quase pôs fim à cultura escandinava, quando a Peste Negra entrou na Escandinávia através dos corpos dos marinheiros ingleses encontrados num navio à deriva, que foram resgatados para ser enterrados no cemitério local.
A língua predominante da Escandinávia era o ‘velho nórdico’, que deixou de ser falado em consequência da dizimação da população pela Peste Negra de 1349, e hoje dia é falado apenas na Islândia. Entretanto, é dele que surgiram o dinamarquês, o sueco e o norueguês. Essas três poderiam ser uma só língua escandinava se as variâncias locais não tivessem sido reforçadas pelos escritores do século dezenove, incentivados pelos ideários nacionalistas de cada país.
A Literatura da Noruega
Bjornstjerne Bjornson (1832-1910), Alexander Kielland (1849-1906), Henrik Ibsen (1828-1906) e Jonas Lie (1833-1908) formavam o grupo dos quatro grandes da literatura norueguesa no século dezenove. Embora Bjornson tivesse ganho o Nobel de Literatura em 1903, Ibsen é o autor norueguês mais conhecido internacionalmente, através de suas peças como Casa de Bonecas, Hedda Gabler e Um Inimigo do Povo. Em outubro de 2012 eu tive a oportunidade de assistir Hedda Gabler que estava sendo encenada no teatro Old Vic de Londres. Muitos críticos escreveram que Hedda Gabler é a personificação da mulher feminista do século vinte. Eu não concordo com essa visão. Para mim o personagem Hedda representa o elemento doente da sociedade, a desumanidade do indivíduo que se tornou refratário ao amor ao próximo e à moral.
A Música da Noruega
A Noruega tem uma rica tradição tanto de música folclórica quanto de música clássica. O violinista Ole Bull (1810-80), já mencionado, era famoso em toda a Europa e nos Estados Unidos. Foi ele que reconheceu o talento de Edward Grieg (1843-1907) quando este era ainda menino prodígio do piano. Grieg tornou-se o compositor mais importante da Noruega, e suas composições eram quase sempre inspiradas no folclore e na natureza. Em vida Grieg recebeu muitos prêmios e distinções, tendo sido feito cavalheiros da ordem de São Olavo, pelo rei Oscar II da Suécia, juntamente com Ibsen, em 1873.
O aspecto físico de Grieg lembra bastante Carlos Gomes, o que em parte se deve à moda da época de manter o cabelo e o bigode, pois os dois viveram na mesma época. Grieg era o quarto dos cinco filhos de um próspero mercador de origem escocesa, cuja mãe era professora de música. Grieg era casado com uma prima, Nina Hagerup, exímia pianista e cantora que deu enorme apoio à carreira do marido. A última residência de Grieg e Nina, em Troldhaugen, nos arredores de Bergen, foi transformada em museu, o qual inclui um prédio adicional contendo informações históricas mais uma lojinha e um restaurante.
O País do Nobel da Paz
A Noruega é também conhecida por ser o país que concede o Prêmio Nobel da Paz, oferecido anualmente pelo Instituto Nobel, baseado em Oslo. Em 2012 a Comissão do Prêmio Nobel decidiu pela Comissão Europeia, o que surpreendeu muita gente. A decisão do Comitê do Nobel foi em parte para premiar as seis décadas de paz do continente, e parte para ajudar na atual crise financeira. O Instituto Nobel de Oslo tem uma confortável biblioteca especializada em história política, lei internacional, paz e economia internacional, e é também o repositório de documentos de diversas organizações internacionais como as Nações Unidas, A Corte Internacional de Justiça, a Liga das Nações, a Organização Mundial do Trabalho, o Conselho da Europa, o Acordo Internacional de Comércio e Tarifas (GATT), o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, a Associação Europeia de Livre Comércio, e outras.
A Prosperidade da Noruega
Durante um passeio a pé por Bergen, Beate, a nossa bem informada guia afirmou: ‘A Noruega é o país mais rico do mundo’, o pude verificar posteriormente.
O petróleo da costa norueguesa começou a ser explorado após a Segunda Guerra Mundial por sete empresas: Exxon, Gulf, Standard Oil da Califórnia, Texaco, Mobil e Shell. Em 1950 essas sete empresas, denominadas as Sete Irmãs, controlavam 98,3% do petróleo de todo o mundo. Essa participação diminuiu gradativamente com a entrada de novas empresas no mercado. Uma dessas era a Norsk Hydro ASA, empresa de alumínio e energias renováveis baseada em Oslo. Em 1960, o ano de criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a produção mundial de petróleo estava se expandindo rapidamente e uma das funções da OPEC era controlar a produção de petróleo para evitar a queda do preço do barril de petróleo. Seguindo a tendência mundial de nacionalizações do petróleo em todo o mundo, a Noruega criou a Statoil, embora sem dar à essa o monopólio do setor. A Stateoil introduziu diversas medidas para a transferência de tecnologia e um sistema de pesquisa e desenvolvimento sobre em petróleo e gás. Na fase inicial da exploração pela Statoil, a margem de lucros era pequena devido ao custo elevado da operação, embora os poucos os custos diminuíram e o lucro aumentou.
A segunda grande indústria da Noruega é a indústria do pescado marinho e da aquicultura de peixes. Segundo os dados do Instituto Nacional da Pesca, de Bergen, os dez produtos pesqueiros mais consumidos são: camarão, atum enlatado, pollock do Alaska, tilápia, panga, bagre do mar (catfish), caranguejo do mar, bacalhau( fresco e salgado) e moluscos bivalves (clams).
A terceira grande indústria da Noruega é a indústria marítima que inclui a navegação e a produção de navios e embarcações menores e equipamentos marítimos. A Noruega é a quinta maior frota do mundo cuja principal atuação é no transporte de petróleo, granéis, produtos químicos, gás e automóveis, atuando ainda no mercado de cruzeiros marítimos. Os navios noruegueses são em geral construídos na Noruega usando cascos importados da Polônia, România e China. São em geral Embarcações de Suprimento de Plataformas (ESP) e os mais diversos tipos de embarcações de apoio offshore.
O turismo é também uma importante fonte de riqueza para a Noruega, país de grandes belezas naturais como os fiordes, que são entradas do mar entre montanhas rochosas, que ocorrem ao longo de quase toda a costa da Noruega, formados pela submersão de vales glaciais. Um dos programas turísticos mais populares é o cruzeiro marítimo pelos fiordes, que leva uma media de 14 Dias. A cultura é outra atração turística da Noruega, país com um grande número de museus e teatros. Segundo as estatísticas, 2010 registrou 7,9 milhões de estadias de pelo menos uma noite, principalmente de alemães, dinamarqueses e suecos. As indústrias do petróleo, do transporte marítima e do turismo formam a base da riqueza da Noruega, hoje em dia considerado o pais mais rico do mundo.
Com uma população de 4,7 milhões a Noruega não só é o país mais próspero do mundo mas é também considerado o melhor lugar do mundo para se viver, ocupando o primeiro lugar do mundo no Índice de Desenvolvimento Humano da Unesco. O nível de desemprego da Noruega é possivelmente o menor do mundo, em torno de 3,3% . A decisão da Noruega de não se afiliar à União Europeia foi economicamente boa para o país, que sequer sentiu a crise financeira que abalou a Europa em 2009.
Jo Pires-O’Brien é a editora de PortVitoria, revista eletrônica dedicada às comunidades falantes de português e espanhol de todo o mundo.
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