Ricas conversações silenciosas

Joaquina Pires-O’Brien

Resenha do livro Provocations (Provocações) de Camille Paglia. Pantheon Books, © 2018, 712pp.

Ainda me lembro da primeira vez que encontrei o nome de Camille Paglia, antropóloga, historiadora, e mulher de letras ítalo-americana. Aconteceu no Brasil em 1992, quando um artigo dela, provavelmente uma de suas colunas sindicalizadas, foi publicado numa revista semanal dentro de uma matéria sobre os problemas da celebração, no Brasil, dos 500 anos da épica viagem de descobrimento de Colombo, devido ao ativismo de oposição. Paglia foi a única intelectual pública que se atreveu a criticar o ativismo gêmeo nos Estados Unidos, o que explica por que seu artigo foi usado no Brasil. Depois disso, comecei a prestar atenção ao nome dela sempre que aparecesse na mídia, e logo descobri que Paglia era um nome familiar no mundo anglófono, e, mais recentemente, que ela tem muitos admiradores no Brasil.

Paglia esteve no centro das guerras culturais nas faculdades e universidades americanas, no lado que representa princípios academicistas autênticos e tolerância a ideias. O seu novo livro Provocations (Provocações; 2018) oferece uma coletânea de ensaios e breves entrevistas, antecedidos por um prefácio de contraindicações e indicações. A maior parte dos ensaios abrange duas décadas e meia desde a publicação de Vamps & Tramps (Vampiros & Vagabundos), em 1994, incluindo ensaios sobre os seus livros anteriores e entrevistas passadas. De acordo com Paglia, desde a época em que estudava, ela queria desenvolver um estilo de escrita ‘interpretativo’, capaz de integrar a cultura alta e a popular, e é assim que ela descreve o seu estilo em Provocations. Um componente crucial do estilo interpretativo é a biologia da natureza humana, uma ideia banida pela maior parte dos acadêmicos da área de humanidades.

Em Provocations, os ensaios e entrevistas estão organizados em oito categorias: cultura popular; filme; sexo, gênero, mulher; literatura; arte; educação; política; e religião. As oito categorias necessárias para organizar esses ensaios são reveladoras do conhecimento enciclopédico de Paglia. No entanto, a sua maneira de pensar é melhor revelada pelas linhas de ideias que ela entremeia em cada categoria. São coisas como arte, cronograma histórico, Shakespeare, pós-estruturalismo e pós-modernismo, natureza, biologia e liberdade de expressão.

Os ensaios sobre ‘cultura popular’ incluem tópicos como Hollywood, letras de músicas, Rihanna, Prince, David Bowie e o seu alter ego Ziggy Stardust, punk rock, músicas populares favoritas, Gianni Versace e o jeito italiano de encarar a morte. Os ensaios sobre a categoria ‘filme’ falam sobre Alfred Hitchcock e suas personagens femininas, ‘o declínio do cinema europeu de arte’, ‘o declínio da crítica cinematográfica’, ‘música cinematográfica’ e ‘Homer no cinema’. A categoria ‘sexo, gênero e mulher’ começa com o ensaio ‘Sex Quest in Tom of Finland’ (A busca de sexo de Tom da Finlândia), a história de um artista homoerótico finlandês (nome real Touko Laaksonen) que foi transformado em filme. Os ensaios sobre a categoria ‘literatura’ começam com um puxão de orelha aos editores que enviam manuscritos não solicitados acompanhados de uma solicitação de ‘blurps’, sinopses de livros usados para fins promocionais; os restantes estão melhor enquadrados no tema literatura. Isso inclui ensaios sobre dramaturgos como Shakespeare, Tennessee Wiliams, Norman Mailler e sobre por que ela levou cinco anos para selecionar os melhores poemas de todos os tempos para seu livro Break, Blow, Burn (Quebre, sopre, queime). Os ensaios sobre a categoria ‘arte’ cobrem Andy Warhol, a Mona Lisa e o poder das imagens. Os ensaios sobre a categoria ‘educação’ abrangem uma variedade de temas associados às guerras culturais acima mencionadas nas faculdades e universidades americanas, incluindo os intrusivos regulamentos federais que visam impor o que é politicamente correto dentro do campus. A categoria ‘política’ começa com uma entrevista para a revista Salon sobre a invasão americana no Iraque, e em seguida, ela analisa figuras políticas como Bill Clinton, Sarah Palin e Donald Trump. A última categoria é ‘religião’, e inclui ensaios sobre a Bíblia, ‘that old-time religion’ (aquela religião dos velhos tempos), os cultos e a consciência cósmica nos anos sessenta na América, religião e as artes na América, e um ensaio sobre porque a religião deve fazer parte do currículo do ensino superior.

Um ensaio que achei especialmente intrigante foi sobre a filósofa russa-americana Ayn ​​Rand (1905-1982), cujo objetivo era esclarecer semelhanças e diferenças entre Rand e ela mesma, depois que alguns de seus leitores apontaram que haviam notado paralelos entre textos de Rand e dela própria. Quando Paglia finalmente decidiu ler Rand, ela ficou espantada ao encontrar passagens semelhantes às de seus próprios livros. No entanto, ela também destaca as principais diferenças entre ela e Rand. Conquanto Paglia descreve Rand como uma intelectual de altíssima seriedade, ela descreve o seu estilo como jocoso, enfatizando a própria crença de que a comédia é um sinal de uma perspectiva equilibrada da vida. Existe um paradoxo nessa afirmação no fato de que Paglia se exclui da categoria de ‘pensadores sérios’ e, ainda assim, exibe um tipo de autoconhecimento que é típico dos pensadores sérios.

O ensaio ‘Women and Law’ (Mulheres e Direito) chamou minha atenção devido à descrição da estátua da Justiça colocada em frente ao Supremo Tribunal Federal do Brasil. Como a maioria dos brasileiros, eu conheço essa estátua da Justiça. É uma mulher sentada segurando uma espada com os olhos vendados, significando a imparcialidade da lei. No entanto, eu não sabia que havia sido feita pelo escultor ítalo-brasileiro Alfredo Ceschiati (1918-1989) usando um ‘bloco áspero de granito cremoso de Petrópolis’, e desconhecia a linhagem histórica da ‘personificação alegórica da justiça’ que essa estátua representa. Paglia explica: “Ceschiati estranhamente achatou a cabeça da Justiça, como se ele estivesse fazendo uma alusão ao busto de Nefertiti, com sua coroa-peruca conceitualmente inchada, ou ao personagem mesoamericano Chack Mool, que supervisionava com olhos alertas o ritual do sacrifício de sangue, garantindo o nascer do sol”. Verdade? Eu sempre pensei que a cabeça chata da estátua da Justiça em Brasília era devido à decisão do escultor de fazer sua escultura tão alta quanto o seu bloco de granito permitisse. Mas, Paglia estava simplesmente deixando que sua imaginação vagueasse, pois ela logo volta aos fatos conhecidos, quando esclarece que a deusa da Justiça com os olhos vendados, “não era um motivo antigo, tendo aparecido pela primeira vez durante o Renascimento do Norte da Europa”. Depois disso, ela dá um passo lateral para questionar se o sexo (incluindo a inclinação sexual), ou qualquer outro descritor básico de grupo de pessoas, deve ser visível ou invisível à lei. As mulheres obtiveram ganhos na lei apenas de maneira fragmentada, e durante uma longa saga que começou na Suméria, sob o Código de Hamurabi, passando pelo Egito, Judeia, Atenas, Roma, Europa Cristianizada, China e Japão. O pedido contemporâneo de concessões especiais às mulheres exigiria torná-las visíveis e isso atropelaria a ideia de imparcialidade da lei.

O ensaio ‘Erich Newmann: Theorist of the Great Mother’ (Erich Newmann: Teórico da Grande Mãe) revela onde Paglia ganhou as suas perspectivas de arte, mulheres, religião e ensino superior. Newmann (1905-1961) era membro da ‘cultura de Weimar’ e produto daquilo que Paglia descreve como sendo “a fase final do grande período da filologia clássica alemã, que foi animada por um ideal de profunda erudição”. Newmann obteve seu PhD em filosofia na Universidade de Erlangen, em Nuremberg, e depois disso começou a estudar medicina na Universidade de Berlim, embora a discriminação aos judeus introduzida pelos nazistas o impedisse de fazer a residência necessária para obter o diploma de medicina. No entanto, ele continuou as suas pesquisas, que tomaram uma nova direção depois que ele conheceu Carl Jung (1875-1961), notório pelo seu trabalho sobre arquétipos (Dicionário Houaiss: “conteúdo imagístico e simbólico do inconsciente coletivo, compartilhado por toda a humanidade, evidenciável nos mitos e lendas de um povo ou no imaginário individual, esp. em sonhos, delírios, manifestações artísticas etc.”). Sob Jung, Newmann criou o arquétipo da ‘Grande Mãe’, “uma figura perigosamente dupla, benevolente e aterrorizante, como a deusa hindu Kali”. É também em Newmann que Paglia aprendeu a apreciar coisas como a alquimia e o I Ching. Na página 439 deste ensaio, ela escreve que “A crítica cultural autêntica requer saturação na academicidade, bem como um poder de uma imaginação congenial”. O apreço de Paglia por Neumann se deve a duas coisas: a qualidade de sua erudição o fato dessa representar o último período autêntico de aprendizado no ensino superior, antes que tudo fosse estragado pelo pós-estruturalismo.

 Foi na categoria ‘educação’ que encontrei os ensaios que mais gostei. Os ensaios de Paglia sobre educação abrangem os vários problemas das faculdades e universidades que desencadearam as guerras culturais da década de 1980, desde sua missão tradicional de proteger o livre fluxo de ideias até as circunstâncias que os levaram a ser inundados por intrusivos regulamentos federais que visavam impor ações consideradas politicamente corretas. No ensaio ‘Free speech and the modern campus’ (Liberdade de expressão e o campus moderno), Paglia se lembra de seus professores da valha guarda da Escola de Pós-Graduação de Yale, no final dos anos 60, como os últimos estudiosos verdadeiros. Eis como ela descreve como era antes e como é agora:

“Eles acreditavam ter uma obrigação moral de buscar a verdade e expressá-la com a maior precisão possível. Lembro-me de ter sido dito naquela época que a carreira de um estudioso poderia ser arruinada se fosse falsificada uma nota de rodapé. Um resultado trágico da era da política de identidade nas humanidades foi o colapso de rigorosos padrões acadêmicos, bem como o fim do alto valor dado uma vez à erudição, que não existe mais como um atributo desejável ou até possível nas pesquisas de emprego. nova faculdade”.

Nesse mesmo ensaio Paglia afirma que foi durante os cinco anos em que ela pesquisou o seu livro Glittering Images: A journey through art from Egypt to Star Wars (Imagens brilhantes: Uma viagem pela arte do Egito até Guerra nas Estrelas; 2012) quando notou o acentuado declínio na qualidade da academicidade das humanidades. Ela conduziu um pequeno experimento para detectar quando esse declínio começou. Esse experimento envolveu a seleção de 29 imagens dentro de um período de 3.000 anos, começando no Egito antigo e terminando no presente, e a compilação da literatura erudita acerca de cada imagem. Ela descobriu que a grande queda na qualidade aconteceu precisamente na década de 1980, justamente quando o pós-estruturalismo e o pós-modernismo invadiram as faculdades e universidades.

 Segundo Paglia, o que fez com que a erudição das humanidades diminuísse foi o ‘politicamente correto’, pois atrofiou a percepção do passado e reduziu a história a uma ladainha de queixas inflamatórias. Ela também aponta que esse problema se agravou quando as faculdades e as universidades decidiram adotar um modelo errado de multiculturalismo, que passou a colocar a culpa de todas as desigualdades sociais existentes no colonialismo ocidental. Muitos pensadores conservadores atuais não gostam do multiculturalismo, mas Paglia acredita que existe ‘um tipo certo de multiculturalismo’ que incorpora a civilização ocidental ao lado dos outras civilizações. Ela é a favor de uma reforma no ensino superior que estimule o retorno de princípios acadêmicos autênticos. Para ela, a introdução da cultura popular nas universidades não deve ocorrer às custas do passado. As faculdades e as universidades devem ter uma atmosfera de tolerância e, para que isso aconteça, o espectro da opinião ideológica permitida deve ser ampliado, em vez de estreitado. A melhor maneira de faculdades e universidades se tornarem um local de aprendizado é permitindo a liberdade de expressão e o livre fluxo de ideias; os seus departamentos não devem se tornar feudos; nenhum grupo deve ter o monopólio da verdade; e os alunos devem ser incentivados a ganhar resiliência e a aceitar a responsabilidade pessoal.

A última categoria de ensaios é sobre religião. Paglia admite ser não apenas uma ateísta mas também a sua e parcialidade à inclinação mística dos anos 60, o que explica o seu interesse em astrologia, quiromancia, PES (percepção extra sensorial) e o I Ching. O seu ensaio ‘Cultos e consciência cósmica’ é o mais longo deste livro, com 48 páginas. Nele, ela fala sobre cultos antigos e os modernos e traça a ascensão do movimento Nova Era durante as décadas de 1980 e 1990, até os anseios espirituais de sua geração. No ensaio ‘Resolved: Religion belongs in the curriculum’ (Resolvido: a religião pertence ao currículo), o penúltimo desse livro, ela argumenta a importância do entendimento das religiões para o entendimento da civilização. Ela acredita que “todo aluno deve se graduar com uma familiaridade básica com a história, textos sagrados, códigos, rituais e santuários das principais religiões do mundo – hinduísmo, budismo, judaico-cristianismo e islã”. Ela lembra o tom religioso de seu livro de 1991, Sexual Personae (A persona sexual). Aqui está a sua justificativa para isso:

 “O judaico-cristianismo nunca derrotou o paganismo, que tendo ido para a clandestinidade durante a Idade Média, entrou em erupção em três momentos principais: o renascimento, o romantismo e a cultura popular moderna, conforme sinalizado pelo panteão de estrelas carismáticas inventadas pela era dos estúdios de Hollywood e pelo rock clássico”.

Se as universidades tivessem que escolher entre o ensino da religião e o ensino do culto a Foucault – o pós-modernismo, elas estariam muito melhor com a religião. Eis como Paglia completa seu argumento:

“A veneração a Jeová traz com ela uma vasta varredura histórica e uma grande obra literária – a Bíblia. A veneração de Foucault (que nunca admitiu o quanto tomou emprestado de outros – de Emile Durkheim a Erwin Goffman) aprisiona a mente em fórmulas simplistas e cínicas sobre a realidade social, aplicáveis ​​apenas aos últimos dois séculos e meio do pós Iuminismo. O nível mais alto de intelecto, a análise conceitual e a argumentação rigorosa no corpo colecionado da antiga disputa talmúdica e da teologia cristã medieval excede em muito qualquer coisa do pouco sincero e jocoso Foucault”.

O pós-modernismo, incluindo o pós-estruturalismo firmado na crítica literária,  é um dos vários fios de ideias que entrelaçam as oito categorias deste livro. Paglia emprega os dois termos como sinônimos. Em seu ensaio ‘Scholars talk writing’ (Estudiosos conversam sobre a escrita), ela descreve a universidade Yale que ela conheceu durante o período em que fez a sua pós-graduação, de 1968 a 1972. Era uma época em que “o pós-estruturalismo francês estava inundando Yale”. É assim que ela termina o mesmo ensaio: “Passei 25 anos denunciando a prosa inchada e pretensiosa gerada pelo pós-estruturalismo. Não é preciso dizer mais! Deixe que os porcos rolem em sua própria mixórdia”. No ensaio ‘Free speech and the modern campus’ (A liberdade de expressão e o campus moderno), ela descreve o simultâneo surgimento da desconstrução e do pós-estruturalismo:

“A tendência desconstrucionista começou quando J. Hillis Miller mudou-se da Universidade Johns Hopkins para Yale e logo em seguida começou a trazer Jacques Derrida da França para visitas regulares. A moda de Derrida e Lacan foi seguida pelo culto a Michael Foucault, que continua sendo uma divindade nas ciências humanas, mas que considero um jogador de segunda categoria cujas teorias não fazem sentido em nenhum período anterior ao Iluminismo. A primeira vez que testemunhei um teórico continental discursando com professores em um evento de Yale, eu disse com exasperação um colega: ‘Eles parecem sumos sacerdotes murmurando entre si’. É absurdo que o estilo teórico elitista, com sua opacidade e jargão contorcido, tenha sido considerado de esquerda, como ainda é. O esquerdismo autêntico é populista, dotado de uma brutal franqueza de linguagem”.

O pós-estruturalismo ou o pós-modernismo foi a principal causa do enfraquecimento da academicidade nas faculdades e universidades. No seu já mencionado ensaio sobre Erich Newmann, Paglia mostra como a natureza era importante na época de Newmann e como as coisas mudaram.

“A exclusão da natureza dos estudos acadêmicos de gênero foi desastrosa. Sexo e gênero não podem ser entendidos sem alguma referência, de alguma maneira qualificada, à biologia, hormônios e instinto animal. Apagar a natureza do currículo das ciências humanas não apenas inibe a apreciação dos alunos de uma enorme quantidade de grandes poesias e pinturas inspiradas na natureza, mas também os torna incapazes de processar as notícias diárias em nosso mundo incerto de tsunamis e furacões devastadores”.

Quando comecei a ler o livro Provocations de Camille Paglia, logo entendi que ela usou a palavra ‘provocações’ no sentido de incitar a reflexão. Embora incitar reflexão não seja o mesmo que incitar raiva, a primeira coisa pode levar à segunda. Paglia fez alguns inimigos no campus, que gostariam de vê-la afastada. A história se repete quando suas lições passadas são esquecidas. Durante o julgamento de Sócrates, em 399 AEC, o filósofo disse ao povo ateniense que, embora o vissem como uma mosca incômoda, ele era uma mosca dada a eles por Deus, e uma que será difícil de substituir. Paglia é a mosca incômoda do nosso tempo, e ela também será difícil de substituir.

Jo Pires-O’Brien é uma brasileira residente no Reino Unido, e, editora da revista PortVitoria, dedicada a falantes de português e espanhol.

Jorge Luis Borges. Fora de sintonia com os outros ícones da Argentina

Jorge Luis Borges. Fora de sintonia com os outros ícones da Argentina

Norman Berdichevsky (Escritor convidado)

Jorge Luis Borges foi um contista, ensaísta, poeta e tradutor argentino, e, uma figura-chave na literatura em língua espanhola. Nasceu há 120 anos em Buenos Aires. Hoje, a maioria dos argentinos o citaria como um de seus filhos nativos mais ilustres, mas até bem pouco tempo atrás o seu nome e a sua obra eram um anátema para a elite dominante do país, muito embora poucos americanos ou britânicos reconheçam hoje a sua  reputação e as suas realizações.

Compare isso com o reconhecimento quase universal fora da Argentina de quatro heróis virtuais das massas com enorme apelo mundial. Entre em qualquer loja de souvenirs de Buenos Aires e é provável que existam dezenas de camisetas, faixas, gravações e outros itens de celebridades em exibição na vitrine com imagens dessas quatro pessoas. Existe alguém que não reconheça ‘Evita’ (Eva Perón), Che Guevara, o ídolo revolucionário da Revolução Cubana, Diego Maradona, a supre-estrela de futebol que ganhou o apelido de ‘Mão de Deus’ por ter trapaceado em uma partida, tocando na bola para marcar um gol, e, Carlos Gardel, o trovador de tango e estrela de uma dúzia de filmes de sucesso?

O regime peronista e seus sucessores (outro casal de marido e mulher, Nestor e Cristine Kirchner, foram presidentes do país de 2003 a 2015) usaram a enorme popularidade desses quatro ícones culturais para se identificar com as massas, compartilhando o que eles retratavam como os traços mais característicos da dinâmica e volátil ‘personalidade’ argentina, – extrovertida, patriótica, heroica e viril –, conforme imortalizada nos contos populares sobre os gaúchos e o sua rústica cultura pastoral.

Jorge Luis Borges teve que lutar a vida inteira para demonstrar a sua própria versão de uma nação orgulhosa, culturalmente madura, tolerante e cosmopolita. Em razão disso, o regime peronista o utilizou como um contrapeso em sua caracterização de todos aqueles traços e visões políticas que detestava.

Borges era simpático à causa dos aliados na Segunda Guerra Mundial e tido como pró-britânico e pró-americano numa época em que o governo argentino tomou o curso pró Alemanha, e, pediu a nacionalização das empresas estrangeiras ‘ianques’ ou anglo-saxãs.

 O lugar de Borges está agora firmemente estabelecido, sendo que hoje ele é considerado um dos maiores escritores do país, apesar da controvérsia que o envolveu. As suas obras contribuíram para a literatura filosófica e o gênero da literatura fantástica, e, ele é considerado pelos críticos como o iniciador daquilo que é hoje conhecido como o ‘movimento realista mágico’ na literatura latino-americana do século XX. Ele foi indicado várias vezes ao Prêmio Nobel de Literatura e seu fracasso em conquistá-lo se tornou fonte de controvérsia política durante décadas.

Há meio século, quando Ficciones (Ficções), a coleção inovadora de Borges, foi publicada pela primeira vez em inglês, ele era praticamente desconhecido fora dos círculos literários de Buenos Aires e de Paris, onde o seu trabalho havia sido traduzido na década de 1950. Em 1961, ele foi catapultado para o cenário mundial quando os editores internacionais lhe concederam o primeiro Prêmio Formentor pela sua notável conquista literária. O prêmio estimulou as traduções inglesas de Ficciones e Labyrinths, o que deu notoriedade a Borges.

Cegueira

Borges ficou completamente cego aos 55 anos de idade devido a um ferimento na cabeça e a uma doença hereditária grave contraída, quando ainda tinha pela frente 25 anos como escritor prolífico. Os estudiosos sugeriram que a sua cegueira progressiva o ajudou a criar símbolos literários inovadores através da imaginação. Talvez seja por isso que ele não aprendeu braille.

Nem a coincidência nem a ironia de sua cegueira como escritor escaparam de Borges, que escreveu

Ninguém deve ler autopiedade ou censura

nesta declaração da majestade

de Deus; que, com uma esplêndida ironia,

Concedeu-me livros e noite com um toque.

Nascido em Buenos Aires, mudou-se com a família para a Suíça em 1914, onde estudou no Collège de Genève. A família viajou amplamente na Europa e depois retornou à Argentina em 1921, após o fim da Primeira Guerra Mundial, quando Borges começou a publicar seus poemas e ensaios em revistas literárias.

O pai, Jorge Guillermo Borges Haslam, era advogado e aspirava ser escritor. A sua mãe era uma inglesa, Frances Ann Haslam. Os jovens Borges, portanto, cresceram falando inglês, tanto em casa quanto durante as viagens em família à Europa.

O jovem Jorge Luis disse que seu pai ‘tentou se tornar escritor e falhou na tentativa’ e lembrou em uma entrevista que

Como a maioria do meu povo era soldado e eu sabia que nunca seria, senti-me envergonhado, muito cedo, por ser um tipo de pessoa de livro e não um homem de ação.

Mais tarde, quando adolescente, ele transformaria essa vergonha em orgulho.

Borges foi educado em casa até os 11 anos de idade, era bilíngue em espanhol e inglês, e, aos doze anos de idade, lia Shakespeare no original. A família morava em uma casa espaçosa com uma biblioteca inglesa de mais de mil volumes; sob a tutela de sua  avó, ele aprendeu a ler inglês antes que pudesse ler espanhol. Conforme o jovem Borges observou,

Era tacitamente entendido que eu tinha que cumprir o destino literário que as circunstâncias haviam negado ao meu pai. Isso era algo que era dado como certo. . . Eu deveria ser um escritor.

Jorge Luis e sua irmã Norah frequentaram o ensino médio na Suíça. Ele recebeu o seu diploma de bacharel no Collège de Genève, em 1918. Depois de retornar à Argentina, ele trabalhou duro em seu estilo de escrita – já estando com trinta e poucos anos quando publicou o seu primeiro conto.

Somente um tradutor muito habilidoso pode transmitir um pouco da surpresa e choque que os leitores de Buenos Aires sentiram quando leram a ficção de Borges pela primeira vez. Mais de um editor rejeitou um manuscrito dele, alegando que o trabalho era totalmente intraduzível.

Sucessos: Ficciones e El Aleph

Borges tornou-se amplamente conhecido após a publicação de Ficciones e El Aleph. São compilações de contos interconectados por temas comuns, especialmente sonhos, espelhos, labirintos, filosofia, bibliotecas, espelhos, tigres, rosas, mapa, matemática, rios, escritores de ficção e mitologia. ‘Aleph’ é a primeira letra do alfabeto hebraico e tem um significado esotérico na Cabala, no que se refere à origem do universo, o ‘primordial que contém todos os números’.

Na história de Borges, o Aleph é um ponto no espaço que contém todos os outros pontos. Ele contém tudo no universo simultaneamente de todos os ângulos. Borges especulou frequentemente sobre esse tema, do infinito e das múltiplas personalidades dentro do indivíduo.

Ele também trabalhou como bibliotecário e professor. Em 1955, foi contratado como professor de literatura inglesa na Universidade de Buenos Aires, e tendo sido nomeado diretor da Biblioteca Nacional, encantou-se com o título de ‘O bibliotecário supremo’, embora este tenha sido usado por seus críticos para retratá-lo como um intelectual não familiarizado com o estilo de vida ativo e a natureza aventureira dos gaúchos, bem como com as figuras militares que representavam traços masculinos nacionais.

Na década de 1960, a obra de Borges foi traduzida e amplamente divulgada nos Estados Unidos e na Europa. Todas as imagens que ele usou refletiam sobre como o indivíduo se vê em meio à condição humana e aos enigmas do universo e da existência.

Uma breve nota de advertência sobre seus escritos: Borges usa muitos pontos e vírgulas para reprimir sutilmente a maioria das três pequenas palavras que todos usamos com tanta frequência em inglês (e seus equivalentes em espanhol) – ‘e’, ‘mas’, e ‘então’ –, para mostrar a conexão entre duas cláusulas; é claro que não podemos ver o ponto e vírgula ao ouvir, e é por isso que é preciso ter cuidado ao ler um trecho de Borges em voz alta.

Borges foi ajudado em sua carreira por Victoria Ocampo, uma conhecida intelectual argentina que ele descreveu como sendo ‘a mulher argentina por excelência’. Conhecida como defensora de outros intelectuais e como editora da lendária revista literária Sur, ela era também escritora e crítica. A sua irmã, Silvina Ocampo, também uma escritora conhecida, era casada com Adolfo Bioy Casares, um colaborador próximo de Borges.

Em 1932, Borges conheceu Adolfo na casa de Victoria. Lá, ela costumava receber figuras internacionais diferentes e organizar celebrações culturais, uma das quais acabou reunindo Borges e Bioy Casares. Tornaram-se amigos instantâneos e colaboradores ocasionais. Depois de se encontrarem no evento, eles se afastaram dos outros convidados, apenas para serem repreendidos pela anfitriã. Essa censura os levou a deixar a reunião e retornar à cidade que selou uma amizade de vida e muitas importantes colaborações literárias.

Usando pseudônimos, Borges e Bioy Casares trabalharam juntos em diversos projetos, de contos a roteiros de filmes, e até ficção fantástica; entre 1945 e 1955, eles dirigiram ‘O Sétimo Círculo’, uma coleção de traduções de populares contos ingleses de detetives, um gênero que Borges admirava muito.

Quando , em 1941, Borges escreveu a primeira das suas três histórias de detetive, El Jardín de senderos que se bifurcan (O jardim dos caminhos que se bifurcam), ele fez isso como parte de uma iniciativa mais ampla para marcar o centenário da publicação de Os crimes da rua Morgue (The Murders in the Rue Morgue; Crímenes de la cale Morgue;), de Edgar Allan Poe. Naquele mesmo ano, ele também assistiu à edição inaugural da Revista Mistério, de Ellery Queen*, que promovia a excelência no gênero conto. Borges adorava as histórias de crimes e mistérios. Sabia como provocar o interesse do leitor acerca de quem era o culpado, e assim, manter a tensão até o fim.

Após o sucesso de sua história de mistério, Borges formulou 6 regras para escritores de ficção de detetive. Para aqueles leitores que sempre quiseram escrever uma história de detetive do tipo ‘quem-é-o-culpado’, e estão familiarizados com o inteligente jogo de tabuleiro ‘CLUE’, Borges recomendou que os suspeitos se limitassem a não mais que seis. Ele desencorajou especulações sobre seus aspectos psicológicos e pistas sobre os seus motivos, insistindo apenas no modus operandi.

A vida dos gaúchos nos pampas

Borges escreveu relatos fictícios da vida entre os gaúchos no pampa em apenas algumas ocasiões, principalmente nos contos El Sur (O sul) e El muerto (O morto). Ele percebeu o papel essencial dos gaúchos na formação do país, e, desejou mostrar seu respeito pelo seu caráter forte e suas virtudes masculinas, mas a sua visão era claramente a de alguém distante de sua realidade.

Borges zombou do desejo dos sofisticados homens da cidade de imitar a vida dos gaúchos, o que é fadado ao fracasso devido ao fato de que lhes falta a astúcia (talvez ele estivesse escrevendo sobre si mesmo).

Uma parte da escrita extraordinária de Jorge Luis Borges está contida nas várias formas de prosa de não ficção, como prólogos, palestras e observações sobre política e cultura. Os seus escritos costumam ser chamados de demasiadamente intelectuais, e, de fato, são repletos de alusões. Borges gostava de paralelos, de repetições sutis com variações; a sua indulgência em ‘chocar’ o leitor foi o ‘deslocamento de adjetivos’ como em … os leitores em suas ‘lâmpadas estudiosas’.

Aqui está um comentário típico de um dos muitos críticos (‘Minatures of a Giant’ (Miniaturas de um gigante), de Mildred Adams, New York Times, maio de 1967):

O mito de Jorge Luís Borges, desde pelo menos os últimos vinte anos, tem atraído a atenção das pessoas interessadas na literatura latino-americana. Esse homem, dizem os seus admiradores, não é apenas o grande escritor sul-americano, mas é também excelente em qualquer geografia. No entanto, sua escrita é. . . arcaísta, excessivamente sutil, de um intelectual arrogante que não se importa em se fazer entender. . . Um recôndito o morador de uma torre de marfim. . . Argentino por nascimento e temperamento, mas alimentado pela literatura universal, Borges não tem uma pátria espiritual.

Engajamento político

Borges era um forte oponente do regime peronista (ver na New English Review o meu ensaio ‘Hillary & Evita and their Respective Banana Republics’ e o ensaio I Cry for you Argentina!, de Anônimo Argentino). Ele expressou abertamente seus sentimentos mais profundos, mas não em seus escritos. Ele se considerava um dedicado antifascista e anticomunista, e, detestava o regime do general Juan Perón e sua cultura ultra machista, compartilhada por muitos argentinos da classe trabalhadora, que eram intolerantes com gays, mulheres feministas e judeus. Devido a esses pontos de vista, ele foi atacado como um intelectual cosmopolita rico e esnobe, e como um inimigo da classe trabalhadora e das ‘pessoas comuns’.

Em 1946, o presidente argentino Juan Perón, com a assistência de sua esposa, ‘Evita’, começou a transformar a Argentina em um Estado de partido único. Quase imediatamente, o ‘sistema dos despojos’ (do termo inglês, spoil system, que significa a prática do partido político no poder de conceder cargos públicos aos seus aliados) passou a ser a regra do dia, e os críticos ideológicos do Partido Justicialista (Partido da Justiça Social) foram demitidos de seus empregos no governo.

Durante esse período, Borges foi informado de que estava sendo ‘promovido’ de sua posição na Biblioteca Miguel Cané para o cargo de inspetor de aves e coelhos no mercado municipal de Buenos Aires. Ao exigir saber o motivo, Borges foi informado: “Bem, você estava do lado dos Aliados, o que você esperava?” Borges demitiu-se no dia seguinte.

Borges acreditava que Juan e Eva promoviam um culto com as suas políticas destinadas a cultivar o afeto das massas. Eles foram a fonte do movimento político que adotou o ideal de justiça social, aproveitando os sentimentos de inveja para acomodar os interesses primordiais dos pobres. Essa forma de governo, fortemente controla e subsidia muitos sindicatos laborais, e, fortemente defende os militares, a indústria privada, e as obras públicas.

Os Peróns: populistas de direita ou de esquerda?

A Argentina foi pressionada pelos Aliados a declarar guerra à Alemanha e ao Japão nas últimas semanas do conflito. Após a Segunda Guerra Mundial (o que foi economicamente extremamente benéfica para a Argentina), a ineficiência do regime peronista levou ao declínio da economia do país, à falência dos serviços públicos, às indústrias sem lucro e ao fortalecimento do controle sobre os sindicatos laborais.

As políticas e ideias de Perón eram inicialmente populares entre uma ampla variedade de grupos diferentes em todo o espectro político. Perón podia identificar as grandes empresas petrolíferas americanas como sendo os seus alvos de ataque em seus discursos públicos, enquanto que, na surdina, assinava acordos lucrativos com elas. Nacionalizou as ferrovias de propriedade britânica e algumas das maiores corporações, e, ao mesmo tempo, protegeu e ganhou o apoio dos principais sindicatos laborais que concordaram em renunciar ao direito de greve.

O tratamento de Perón a Borges se tornou uma causa famosa da intelligentsia argentina. A Sociedade Argentina de Escritores, conhecida em espanhol pela sigla SADE, realizou um jantar formal em sua homenagem, no qual foi lido um discurso que Borges havia escrito para a ocasião:

Ditaduras geram opressão, ditaduras geram servidão, ditaduras geram crueldade; e o que é mais repugnante ainda, é o fato de que elas criam imbecilidade.

Após o golpe que derrubou Perón em 1955, Borges apoiou os esforços para se livrar do culto peronista e desmantelar o antigo ‘Estado de bem-estar social’ que ele criara. Borges estava furioso com o fato do Partido Comunista da Argentina ter adotado uma política zigue-zague de críticas e colaboração com Perón, e os atacou bruscamente em suas palestras e por escrito. A sua oposição ao partido e à subserviência deste a Moscou levaram a uma briga permanente com a sua amante, a comunista argentina Estela Canto.

 A definição de Borges do dever do escritor

Durante uma conferência de 1971 na Universidade de Columbia, um estudante de ‘redação criativa’ (em inglês, creative writing) perguntou a Borges o que ele considerava ser ‘o dever de um escritor para com a sua época’. Borges respondeu:

Eu apenso que o dever de um escritor é ser um escritor, e se ele pode ser um bom escritor, ele está cumprindo seu dever. . . Sou conservador, odeio os comunistas, odeio os nazistas, odeio os antissemitas, e assim por diante; mas não permito que essas opiniões cheguem aos meus escritos – em geral, eu procuro mantê-las em compartimentos estanques. Todo mundo conhece minha opinião.

Tanto antes quanto durante a Segunda Guerra Mundial, Borges publicou regularmente ensaios atacando o estado policial nazista e seu antissemitismo racial. Em 1934, os ultra nacionalistas argentinos, solidários a Adolf Hitler e ao Partido Nazista, afirmaram que Borges era secretamente judeu e, portanto, não era um verdadeiro argentino. Borges respondeu com o ensaio ‘Yo, Judío’ (eu, judeu), uma referência à velha frase ‘yo, argentino’ (‘eu, argentino’), usada como defesa, durante os pogroms aos judeus argentinos, para esclarecer aos potenciais agressores que uma vítima pretendida não era judia.

A sua indignação foi alimentada por seu profundo amor pela literatura alemã. Em um ensaio publicado em 1937, Borges atacou o uso de livros infantis pelo Partido Nazista para inflamar o antissemitismo. Ele escreveu: “Não sei se o mundo pode passar sem a civilização alemã, mas sei que é um crime a sua corrupção pelos ensinamentos de ódio”.

Em um ensaio de 1938, Borges revisou uma antologia que reescreveu textos de autores alemães do passado para encaixá-los na linha do partido nazista. Ele ficou enojado com o que descreveu como a “descida caótica à escuridão” e à consequente reescrita da História. Ele argumentou que esses livros sacrificavam a cultura, a história e a integridade do povo alemão em nome da restauração de sua honra nacional. Esse uso de livros infantis para propaganda, ele escreve, “aperfeiçoa as artes criminosas dos bárbaros”.

 No mesmo ensaio, ele diz que se orgulharia de ser judeu, com um lembrete de que qualquer “castelhano puro” poderia ter ascendência judaica de um milênio atrás.

Visita ao Chile e o Nobel

Nos anos posteriores, Borges frequentemente expressava desprezo pelos autores, poetas e intelectuais marxistas e comunistas. Em uma entrevista, Borges referiu ao poeta chileno Pablo Neruda como ‘um poeta muito bom’, mas um ‘homem muito mau’ por apoiar incondicionalmente a União Soviética.

Até sua morte em 1986, o nome de Borges sempre permaneceu na lista de candidatos ao Nobel, mas os decisores nunca o concederam. As repetidas rejeições da Academia tinham mais a ver com política do que com literatura. Muitos atribuíram, por anos a fio, que o motivo da rejeição foi a visita que ele fez ao Chile em 1976, a convite da Universidade do Chile, durante a ditadura chilena.

O poeta sueco Artur Lundkvist, que mais tarde foi nomeado secretário permanente da Academia Nobel, era especialista em literatura latino-americana e responsável pela introdução do trabalho de Borges em seu país, confirmou a suspeita em uma entrevista: “A sociedade sueca não pode recompensar alguém com esse antecedente de ter visitado o Chile e conceder o Prêmio Nobel a alguém que havia expressado simpatia por Pinochet“.

Vida pessoal posterior

Em 1967, Borges  – então com 68 anos – casou-se inesperadamente com Elsa Astete Millan, que era 11 anos mais nova que ele. Uma viúva, Elsa tinha sido uma das primeiras chamas do ‘Georgie’ (como Borges era conhecido na intimidade). O casamento durou menos de três anos. Parece que o casamento deles na terceira idade ocorreu por razões completamente não românticas: Borges era cego e precisava de alguém para cuidar dele, já que a sua pertinaz mãe já tinha mais de 90 anos. Elsa pode ter tido alguma afeição inicial por Borges enquanto jovem, mas pode ter sido uma interesseira de meia-idade.

 De 1975 até sua morte, Borges viajou internacionalmente. Nessas viagens, ele era frequentemente acompanhado por sua assistente pessoal, María Kodama, uma mulher argentina de ascendência japonesa e alemã. Em abril de 1986, alguns meses antes de sua morte, ele se casou com ela por procuração no Paraguai, o que era uma prática comum para contornar as leis argentinas da época em relação ao divórcio.

 Borges declarou-se um agnóstico, esclarecendo: “Ser agnóstico significa que todas as coisas são possíveis, até Deus, até a Santíssima Trindade. Este mundo é tão estranho que qualquer coisa pode acontecer ou pode não acontecer”.

 O que Borges queria que lembrássemos, caso quiséssemos ser escritores, era que usássemos as nossas vidas e as nossas experiências como a melhor matéria-prima. Ele frequentemente repetia esse conselho para potenciais escritores.

 Maria Kodama pôde comemorar a inauguração de uma nova estátua memorial, que desde então se tornou um local de peregrinação para muitos fãs do grande autor. Mesmo os dignitários visitantes, incluindo diplomatas que talvez nunca leram um livro, um poema ou artigo de Borges, prestaram homenagem ao homem que conhecem como sendo uma grande figura cultural no país, e, como um sinal de cortesia diplomática.

* Ellery Queen é um dos heterônimos coletivos criado em 1929 pelos primos Frederico Danai e Mangres B. Lei, dois prolíficos escritores norte americanos de romances policiais. É também, ao mesmo tempo, um personagem fictício dos romances produzidos por aqueles autores. Wikipédia.

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Artigo publicado na New English Review em setembro de 2019. Norman Berdichevsky é editor contribuinte da New English Review e de PortVitoria, e autor de The Left is Seldom Right (A esquerda raramente está certa) e Modern Hebrew: The Past and Future of a Revitalized Language (Hebraico moderno: o passado e o presente de uma língua revitalizada).

O conhecimento pequeno é coisa perigosa

Jo Pires-O’Brien

Alexander Pope (1688-1744), um dos maiores poetas britânicos do século XVIII, emprega a linguagem da poesia para a crítica, no seu poema An Essay on Criticism (Um Ensaio sobre a Crítica). Um dos objetos da crítica de Pope é o ‘conhecimento pequeno’, que ele taxa de ‘coisa perigosa’, explicando metaforicamente através da fonte de Piéria, a morada das musas das artes e das ciências descrita na mitologia grega. Segue-se a estrofe contendo a famosa citação mais a tradução:

‘A little learning is a dangerous thing;

Drink deep, or taste not the Pierian spring;

There shallow draughts intoxicate the brain,

And drinking largely sobers us again.’

A.Pope, 1711

‘O conhecimento pequeno é uma coisa perigosa;

Beba do fundo, ou sequer prove da fonte Pieriana;

Pois os goles rasos intoxicam o cérebro,

E o beber farto nos torna sóbrios outra vez.’

A.Pope, 1711

Na estrofe acima Pope mostra que o conhecimento é como a Fonte de Piéria, podendo ser superficial ou profundo. Na vida, a prática de acumular informações soltas aqui e acolá equivale a beber apenas na parte rasa da fonte Pieriana pois leva apenas ao pequeno conhecimento. A construção de Pope tem ainda um paralelo no ditado popular ‘ouvir o galo cantar sem saber onde’ das pessoas que decidem e até julgam outras pessoas com informações insuficientes. O irracionalismo, que se caracteriza pelos julgamentos apressados, pressuposições erradas e opiniões impensadas, e que é a causa da maior parte das mesquinharias entre as pessoas, resulta do conhecimento pequeno. É por isso que Pope taxou o conhecimento pequeno de perigoso.

Somente podemos escapar do perigo do irracionalismo buscando um conhecimento mais profundo das coisas. Beber fartamente da fonte de Piéria significa treinar as nossas mentes através de boas leituras e conversações relevantes. O indivíduo que lê é em geral um cidadão melhor, pois sabe agir certo na hora certa e sabe conter o seu julgamento na ausência de provas ou de conhecimentos. Os que desejam buscar o conhecimento verdadeiro devem ir ao fundo do poço, pois as incursões superficiais, as águas rasas, trazem somente o conhecimento pequeno, que é ilusório e perigoso.

Há uma segunda mensagem subentendida na mesma estrofe, na asserção de que é impossível obter o conhecimento pleno já que o beber da fonte apenas devolve a sobriedade. Todos nós temos a liberdade de optar por beber do raso ou do fundo da fonte do conhecimento. Mesmo reconhecendo a impossibilidade do conhecimento pleno, a escolha do local certo da fonte do conhecimento já nos salva da embriaguez cerebral, deixando-nos sóbrios para enfrentar as angústias da existência e a adversidade.


 

Agradecimento: Carlos Pires, revisor

Jo (Joaquina) Pires-O’Brien é editora de PortVitoria, revista da cultura ibérica no mundo.

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Elizabeth Bishop (1911-1979)

Joaquina Pires-O’Brien

A primeira vez que eu li sobre Elizabeth Bishop, a poeta americana que viveu no Brasil entre 1952 e 1966, foi em um artigo na revista semanal The New Yorker que peguei para ler na casa da minha filha, durante uma das minhas visitas a São Francisco, em 2007. Dias depois, ao passear a pé pela redondeza de onde minha filha morava, encontrei a biblioteca pública de Castro e tendo decidido entrar, encontrei logo nos primeiros minutos a biografia de Bishop de autoria deRobert Girough, One Art, baseada numa seleção de cartas da poeta, publicada em 1994 pela Farrar, Strauss & Giroux, de Nova Iorque. Embora não seja uma leitora contumaz de poesias, folhei o referido livro, e notando as passagens sobre o Rio de Janeiro e o Brasil, decidi lê-lo ali mesmo na biblioteca, sabendo que teria que retornar noutro dia para concluir a leitura. O artigo no The New Yorker e a biografia na biblioteca não eram fatores isolados e nem coincidências. Enquanto viva Bishop publicou muitas poesias e contos em The New Yorker, que vez por outra continua a publicar matérias sobre ela. São Francisco é conhecida como a meca da arte e da liberalidade americana e Bishop pertence ao rol de artistas que passaram por lá, tendo morado no elegante bairro Pacific Heights entre 1968e 1970. Além do mais, Bishop era lésbica e isso é mais uma conexão com Castro, o bairro preferido da população gay de São Francisco. Mas o meu interesse por Bishop era descobrir a visão dela do Brasil, esperando uma perspectiva interessante devido à sua situação de estrangeira e culta.

 Biografia Resumida (baseada em: Schwartz, L. 1991, Girough 1994).

Nascida em Worcester, Massachusetts, em 1911, a vida Elizabeth Bishop foi repleta de aventuras e de tragédias. Quando tinha apenas oito meses de idade ela perdeu o pai e sua mãe foi internada por problemas mentais quando ainda era pequena, o que a levou a viver com os avós maternos na Nova Escócia, Canadá. Bishop retornou a Worcester depois que os avós paternos, melhor situados financeiramente, ganharam a sua guarda. Ela fez o curso secundário num exclusivo colégio interno para moças, em Natick, Massachusetts, onde ela revelou sua aptidão para a música, chegando a cogitar uma carreira de concertista, embora tivesse mudado de ideia devido à timidez. Em 1929, pouco antes da grande quebra da bolsa de valores, ela entrou para o prestigiado Vassar College, no estado de Nova Iorque, onde estudou inglês e literatura. No seu último ano em Vassar ela foi uma das fundadoras da revista literária Com Spirito,  com mais quatro colegas. Nessa mesma ocasião ela conheceu a poeta Marianne Moore, que tomou um interesse pela jovem e foi sua mentora e amiga.

 Logo depois de se formar em 1934 ela foi morar na cidade de Nova Iorque, onde se encontrava quando publicou seu primeiro livro, mudando-se depois para a Flórida. Ela viajou bastante por diversas partes do mundo. Em 1937 ela passou seis meses na França e nove meses no México em 1943.  Continuou escrevendo poesias e contos, e em 1946 publicou o seu primeiro livro de poesias, North & South, que apesar da pequena tiragem chamou a atenção de do poeta e crítico Robert Lowell. Em 1951 Bishop ganhou um estipêndio de viagem do Bryn Mawr College, e em novembro desse ano partiu num navio que ia para a Terra do Fogo. Quando o navio aportou em Santos, ela desembarcou para uma temporada de duas semanas. De Santos ela resolveu visitar o Rio de Janeiro e pessoas que ela havia conhecido quando morava em Nova Iorque.  Ao chegar ao Rio ela passou mal depois de comer uma fruta comprada na rua e precisou ser hospitalizada, não podendo continuar a sua viagem de navio.

 Bishop recebeu a ajuda de Lota, uma das pessoas que ela havia conhecido em Nova Iorque, cujo nome completo era Maria Carlota de Macedo Soares. Arquiteta autodidata, culta, viajada e rica, Lota era uma das duas herdeira do proprietário do ‘Diário Carioca’ e tinha um grande círculo de amigos entre os quais se encontrava o jornalista Carlos Werneck Lacerda, que escrevia para o jornal do seu pai e que mais tarde se tornaria governador do antigo Estado da Guanabara. Bishop e Lota iniciaram então um relacionamento sério, o que resultou em Bishop ir morar com/ou perto de Lota, no sítio de Alcobacinha, em Petrópolis, em uma arrojada casa em estilo contemporâneo ganhadora de um importante prêmio de arquitetura. Bishop também tinha um estúdio próximo, onde costumava escrever e pintar.

 Durante a sua passagem pelo Brasil Bishop testemunhou diversos episódios importantes da história brasileira como o suicídio de Getúlio Vargas, a construção de Brasília, a queda de Jânio Quadros e o golpe militar de 31 de março de 1964. Ela também viajou bastante pelo Brasil, especialmente durante a ocasião que juntava material para o seu livro Brazil, comissionado pela editora americana Life. Além de ter capturado o Brasil no seu livro documentário, ela também retratou a cultura brasileira na sua poesia, como a balada O Ladrão da Babilônia, inspirada na experiência de ver um homem sair correndo pelos becos tortuosos do Rio (a Babilônia) perseguido pela polícia carioca. A biografia de Girough sugere que Bishop não buscou imiscuir-se nas altas rodas do mundo de Lota, preferindo ocupar-se com sua poesia e também com a pintura. Girough também mostra que ela era uma correspondente contumaz e que durante sua estadia no Brasil manteve-se ligada aos acontecimentos culturais dos Estados Unidos, para onde ela periodicamente enviava seus poemas e contos para publicação.

 Além de morar em Petrópolis e ir regularmente ao Rio, Bishop e Lota costumavam passar temporadas em Ouro Preto. O relacionamento entre as duas começou a se deteriorar a partir de 1961, quando  Lota se envolveu no projeto paisagístico do Parque do Flamengo, projetado por Roberto Burle Marx, o que fez com que passasse cada vez mais tempo no Rio, descuidando-se da amiga que havia ficado no sítio em Petrópolis. Bishop às vezes ia a Ouro Preto sozinha, e numa dessas viagens resolveu comprar uma casa e reformá-la, atribuindo à mesma o nome de ‘Casa Mariana’, em homenagem à poeta Marianne Moore. Bishop tinha problemas de depressão que se exacerbaram com a ausência de Lota e fizeram com que buscasse cada vez mais refúgio na bebida. Lota por sua vez tinha problemas psicológicos cuja manifestação mais séria ainda estava por vir.

 Em 1966 Bishop aceitou um cargo de professor da Universidade de Washington, em Seattle, onde iria conduzir alguns workshops de poesia. No verão de 1967 ela passou uma temporada em Nova Iorque e combinou de se encontrar com Lota lá. Na mesma noite em que chegou a Nova Iorque, Lota tomou uma overdose de tranquilizantes, e entrou em um coma fatal de cinco dias. A biografia de Girough não apresenta explicações sobre a motivação de Lota ou sobre o seu estado de espírito, deixando espaço para muita especulação.

 Depois da morte de Lota, Bishop foi passar uma temporada em São Francisco, retornando ao Brasil um ano e pouco depois para uma temporada em Ouro Preto. Ela retornou diversas vezes a Ouro Preto até o ano de 1974.  Entretanto, a presença de Bishop no Brasil, acompanhada de um novo relacionamento, provocou algumas reações hostis por parte de amigos de Lota e de outras pessoas. Após experimentar insinuações, preconceitos, invejas e até acusações ela decidiu vender a casa e não retornou mais ao Brasil. De São Francisco Bishop foi morar entre Cambridge e Boston, após ter sido convidada a lecionar na Universidade de Harvard. O seu apartamento de Boston, de frente para o harbour, era considerado uma galeria de artefatos do Brasil. Bishop faleceu em seis de outubro de 1979 de aneurisma cerebral.

 Meus Encontros com Bishop

De volta à Inglaterra, ao examinar livros à venda em um dos jardins expostos durante o festival open gardens de Yoxford, adquiri uma antologia de poesias de mulheres do século vinte, editada por Fleur Adcock, 1987, apenas pelo fato da mesma ter quinze poesias de Bishop e treze de Marianne Moore (1887-1972), sua mentora e amiga. Essa antologia inclui algumas poesias dedicadas ao Brasil, como ‘Brazil, January 1, 1502’, onde faz um paralelo entre a chegada dos portugueses e a sua própria chegada, ambos tentando entender e conquistar a nova terra. Por algum motivo a antologia não incluiu ‘One Art’ (Uma Arte), sua poesia mais famosa, um arremate de relacionamento escrita no característico estilo de conversação da poeta.  ‘One Art’ é também o título da biografia acima mencionada.

 Poetas famosos como Marianne More (1887-1972) e Robert Lowell (1917-1977) reconheceram o talento de Bishop desde o início e foram seus amigos. Todas as poesias de Bishop têm a ver com o espaço, o tempo e as pessoas ao seu redor, e são escritas num linguajar coloquial e sem afetações. Das paisagens de infância na Nova Escócia às favelas do Rio de Janeiro, a poesia de Bishop cobre variadas relações entre o ser humano e o mundo. As poesias de Bishop costumavam ter uma gestação prolongada; muitas eram deixadas de molho durante anos, para serem concluídas apenas quando fosse capaz de desatar o nó psicológico do tema em questão, e que era uma condição para a atender ao seu gabarito técnico.

 Bishop é também uma importante referência na tradução de poesias. Ela própria traduziu para o inglês alguns poetas modernistas brasileiros, e para o português, os poetas americanos Robert Lowell e Marianne Moore. Mais tarde, uma seleção dos seus poemas referentes à cultura brasileira foram traduzidos para o português por Paulo Henriques Britto e publicado em 1999 pela Companhia das Letras. Ela também escreveu contos e publicou em livros de prosa, como Brazil (1962) e Memories of Uncle Neddt (1976). Aliás, depois de ter encomendado um exemplar de Brazil através de um associado da livraria Amazon é que percebi que eu já conhecia esse livro desde 1971, quando preparava a palestra de exchange student que tinha que fazer na Conard High School, em West Hartford, no estado de Connecticut.

 Fãs Brasileiros de Bishop

Aos poucos Bishop começa a ganhar público no Brasil. A professora Thais Flores Nogueira Diniz, da Universidade Federal de Minas Gerais, escreveu o interessantíssimo ensaio ‘Imagens do Brasil na Poesia de Elizabeth Bishop’, onde explica as entrelinhas do poema ‘The Burglar of Babylon’, ‘O Ladrão da Babilônia’, ao mesmo tempo em que analisa as técnicas de tradução empregadas para capturar a essência da história de Micuçú, um miserável morador de favela que acabou se tornando um fora da lei:

‘The Burglar of Babylon’ (‘O Ladrão da Babilônia’) gira em torno de um personagem que simboliza, ao mesmo tempo, o imigrante do norte, o favelado, e as várias gerações de brasileiros que enfrentam as agruras de pertencerem a uma classe menos favorecida e de serem eternamente perseguidos pela polícia. É a história de Micuçú e tantos outros brasileiros de boa família, que se tornam ladrões por força das circunstâncias. Como as baladas tradicionais americanas, que contam a história dos fora da lei como Jesse James e Sam Bass, o poema narra a história de um brasileiro, também um fora da lei.

O poema inicia com a comparação entre os migrantes que vêm para o Rio de Janeiro e as aves de arribação. São “milhões de pardais”, diz o poema, que migram e param para descansar, fazendo seus ninhos frágeis, “de madeira e papelão”, segundo Paulo Henriques Britto. Esses barracões são construídos provisoriamente como os ninhos das aves migratórias, mas acabam se tornando perenes, “como os liquens”, que grudam e se espalham. Ao virem para o Rio, “os pardais” se instalam nos morros. O herói do nosso poema se instala no Morro da Babilônia, a capital de um antigo Império, local de prazeres e luxúria, a antítese de Jerusalém e do paraíso. Etimologicamente, Babilônia significa “a porta de deus”, porém de um deus pervertido em homem, no que ele tem de mais vil: o instinto de dominação e a luxúria. Como a Babilônia significa também o triunfo passageiro, o lugar onde se aprende magia para usá-la para a destruição, serve bem para simbolizar a moradia de Micuçú, o herói do poema.”

Outra brasileira que se interessou por Bishop é Renata Megale, que lamentou a ausência de relançamentos sobre a autora na ocasião do centenário do seu nascimento e comentou sobre o monólogo de Marta Góes inspirado na vida de Bishop num interessante post publicado em 08/02/2011, no blog Meus Livros, da revista Veja. Escreveu Megale:

‘Centenário de Bishop tem comemoração tímida no Brasil’

 ‘Se o centenário de Bishop não tem a festa merecida no mercado editorial, ele é celebrado no cinema e no teatro. O cineasta Bruno Barreto começa a rodar no segundo semestre deste ano o longa A Arte de Perder, também sobre o romance da poeta com Lota. O elenco já conta com Glória Pires e há boatos de que Jodie Foster seria uma das atrizes americanas cotadas para interpretar a escritora. No teatro, a peça Um Porto para Elizabeth Bishop, monólogo da jornalista e escritora Marta Góes e encenada pela atriz Regina Braga, também tem reestreia prevista para este ano.’

 Segundo os entendidos em poesia, Elizabeth Bishop foi a mais premiada de sua geração de poetas. A lista a seguir mostra os diversos prêmios e honrarias que Bishop recebeu.

 Prêmios e Distinções de Elizabeth Bishop

1945: Houghton Mifflin Poetry Prize Fellowship

1947: Guggenheim Fellowship

1949: Appointed Consultant in Poetry at the Library of Congress

1950: American Academy of Arts and Letters Award

1951: Lucy Martin Donelly Fellowship (awarded by Bryn Mawr College)

1953: Shelley Memorial Award

1954: Elected to lifetime membership in the National Institute of Arts and Letters

1956: Pulitzer Prize for Poetry

1960: Chapelbrook Foundation Award

1964: Academy of American Poets Fellowship

1968: Fellow of the American Academy of Arts and Sciences

1968: Ingram-Merrill Foundation Grant

1969: National Book Award

1969: Ordem do Rio Branco, do governo brasileiro

1974: Harriet Monroe Poetry Award

1976: Books Abroad/Neustadt International Prize

1976: Elected to the American Academy of Arts and Letters

1977: National Book Critics Circle Award

1978: Guggenheim Fellowship

 Conclusão

Examinando a relação acima podemos notar que mais da metade dos prêmios acima listados foram ganhos durante o período em que Bishop morou no Brasil. Este fato levantou minha curiosidade quanto a relação entre Bishop e outros artistas e intelectuais brasileiros. Bishop aprendeu a falar e escrever em português e a preparar pratos da culinária brasileira. Traduziu poesias do inglês para o português e vice-versa. Dentre os poetas brasileiros que Bishop traduziu encontram-se Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Drummond gostou das suas traduções e correspondeu com ela, mas os dois não chegaram a se conhecer pessoalmente. Mas, e os demais poetas que ela traduziu e ajudou a promover nos Estados Unidos? Por acaso algum deles a convidou para qualquer coisa? Quem sabe um café na Confeitaria Colombo quando ela resolvesse descer a serra? Com que outros intelectuais ou artistas brasileiros Bishop conviveu? Por acaso foi convidada para fazer alguma palestra em um dos bons colégios secundários do Rio ou de Petrópolis? Sabemos que ela foi professora visitante da Universidade de Washington, em Seattle, e da Universidade de Harvard, em Cambridge. Será que ela chegou a ser convidada ao menos a proferir um seminário no Departamento de Letras da Faculdade Nacional de Filosofia? No curto período em que morou em São Francisco ela leu poesias em teatros e socializou com outros artistas. Será que fez qualquer coisa parecida em Petrópolis, Rio ou Ouro Preto? Tirando o círculo de amigos de Lota, quantos brasileiros tomaram conhecimento da presença de Bishop no Brasil e desses, quantos chegaram a reconhecer o seu talento enquanto ela ainda estava no Brasil?

 Referências

Adcock, F., Editor (1987). 20th Century Women’s Poetry. Faber & Faber Limited. London, ISBN-0-571-13693-1

Bishop, E. (1962).  Brazil. Part of Life World Library. Time Incorporated. ISBN-10: 0705401545

Bishop, E. and The Editors of Life. (1983).  The Complete Poems, 1927-1979. Farrar, Straus and Giroux. ISBN-10: 0374518173

Girough, Robert (1994). Elizabeth Bishop. One Art’, Farrar, Strauss & Giroux, New York.

Schwartz, L. (1991). Elizabeth Bishop and Brazil. The New Yorker, Sep 30.

 Beccles, 25 de junho de 2012


Veja algumas poesias de Elizabeth Bishop em:http://www.portvitoria.com/poetry_cafe.html


Agradecimento: Isabel Pires, revisão

Jo Pires-O’Brien é editora da revista digital PortVitoria, centrada na cultura ibérica no mundo.

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