Elizabeth Bishop (1911-1979)


Joaquina Pires-O’Brien

A primeira vez que eu li sobre Elizabeth Bishop, a poeta americana que viveu no Brasil entre 1952 e 1966, foi em um artigo na revista semanal The New Yorker que peguei para ler na casa da minha filha, durante uma das minhas visitas a São Francisco, em 2007. Dias depois, ao passear a pé pela redondeza de onde minha filha morava, encontrei a biblioteca pública de Castro e tendo decidido entrar, encontrei logo nos primeiros minutos a biografia de Bishop de autoria deRobert Girough, One Art, baseada numa seleção de cartas da poeta, publicada em 1994 pela Farrar, Strauss & Giroux, de Nova Iorque. Embora não seja uma leitora contumaz de poesias, folhei o referido livro, e notando as passagens sobre o Rio de Janeiro e o Brasil, decidi lê-lo ali mesmo na biblioteca, sabendo que teria que retornar noutro dia para concluir a leitura. O artigo no The New Yorker e a biografia na biblioteca não eram fatores isolados e nem coincidências. Enquanto viva Bishop publicou muitas poesias e contos em The New Yorker, que vez por outra continua a publicar matérias sobre ela. São Francisco é conhecida como a meca da arte e da liberalidade americana e Bishop pertence ao rol de artistas que passaram por lá, tendo morado no elegante bairro Pacific Heights entre 1968e 1970. Além do mais, Bishop era lésbica e isso é mais uma conexão com Castro, o bairro preferido da população gay de São Francisco. Mas o meu interesse por Bishop era descobrir a visão dela do Brasil, esperando uma perspectiva interessante devido à sua situação de estrangeira e culta.

 Biografia Resumida (baseada em: Schwartz, L. 1991, Girough 1994).

Nascida em Worcester, Massachusetts, em 1911, a vida Elizabeth Bishop foi repleta de aventuras e de tragédias. Quando tinha apenas oito meses de idade ela perdeu o pai e sua mãe foi internada por problemas mentais quando ainda era pequena, o que a levou a viver com os avós maternos na Nova Escócia, Canadá. Bishop retornou a Worcester depois que os avós paternos, melhor situados financeiramente, ganharam a sua guarda. Ela fez o curso secundário num exclusivo colégio interno para moças, em Natick, Massachusetts, onde ela revelou sua aptidão para a música, chegando a cogitar uma carreira de concertista, embora tivesse mudado de ideia devido à timidez. Em 1929, pouco antes da grande quebra da bolsa de valores, ela entrou para o prestigiado Vassar College, no estado de Nova Iorque, onde estudou inglês e literatura. No seu último ano em Vassar ela foi uma das fundadoras da revista literária Com Spirito,  com mais quatro colegas. Nessa mesma ocasião ela conheceu a poeta Marianne Moore, que tomou um interesse pela jovem e foi sua mentora e amiga.

 Logo depois de se formar em 1934 ela foi morar na cidade de Nova Iorque, onde se encontrava quando publicou seu primeiro livro, mudando-se depois para a Flórida. Ela viajou bastante por diversas partes do mundo. Em 1937 ela passou seis meses na França e nove meses no México em 1943.  Continuou escrevendo poesias e contos, e em 1946 publicou o seu primeiro livro de poesias, North & South, que apesar da pequena tiragem chamou a atenção de do poeta e crítico Robert Lowell. Em 1951 Bishop ganhou um estipêndio de viagem do Bryn Mawr College, e em novembro desse ano partiu num navio que ia para a Terra do Fogo. Quando o navio aportou em Santos, ela desembarcou para uma temporada de duas semanas. De Santos ela resolveu visitar o Rio de Janeiro e pessoas que ela havia conhecido quando morava em Nova Iorque.  Ao chegar ao Rio ela passou mal depois de comer uma fruta comprada na rua e precisou ser hospitalizada, não podendo continuar a sua viagem de navio.

 Bishop recebeu a ajuda de Lota, uma das pessoas que ela havia conhecido em Nova Iorque, cujo nome completo era Maria Carlota de Macedo Soares. Arquiteta autodidata, culta, viajada e rica, Lota era uma das duas herdeira do proprietário do ‘Diário Carioca’ e tinha um grande círculo de amigos entre os quais se encontrava o jornalista Carlos Werneck Lacerda, que escrevia para o jornal do seu pai e que mais tarde se tornaria governador do antigo Estado da Guanabara. Bishop e Lota iniciaram então um relacionamento sério, o que resultou em Bishop ir morar com/ou perto de Lota, no sítio de Alcobacinha, em Petrópolis, em uma arrojada casa em estilo contemporâneo ganhadora de um importante prêmio de arquitetura. Bishop também tinha um estúdio próximo, onde costumava escrever e pintar.

 Durante a sua passagem pelo Brasil Bishop testemunhou diversos episódios importantes da história brasileira como o suicídio de Getúlio Vargas, a construção de Brasília, a queda de Jânio Quadros e o golpe militar de 31 de março de 1964. Ela também viajou bastante pelo Brasil, especialmente durante a ocasião que juntava material para o seu livro Brazil, comissionado pela editora americana Life. Além de ter capturado o Brasil no seu livro documentário, ela também retratou a cultura brasileira na sua poesia, como a balada O Ladrão da Babilônia, inspirada na experiência de ver um homem sair correndo pelos becos tortuosos do Rio (a Babilônia) perseguido pela polícia carioca. A biografia de Girough sugere que Bishop não buscou imiscuir-se nas altas rodas do mundo de Lota, preferindo ocupar-se com sua poesia e também com a pintura. Girough também mostra que ela era uma correspondente contumaz e que durante sua estadia no Brasil manteve-se ligada aos acontecimentos culturais dos Estados Unidos, para onde ela periodicamente enviava seus poemas e contos para publicação.

 Além de morar em Petrópolis e ir regularmente ao Rio, Bishop e Lota costumavam passar temporadas em Ouro Preto. O relacionamento entre as duas começou a se deteriorar a partir de 1961, quando  Lota se envolveu no projeto paisagístico do Parque do Flamengo, projetado por Roberto Burle Marx, o que fez com que passasse cada vez mais tempo no Rio, descuidando-se da amiga que havia ficado no sítio em Petrópolis. Bishop às vezes ia a Ouro Preto sozinha, e numa dessas viagens resolveu comprar uma casa e reformá-la, atribuindo à mesma o nome de ‘Casa Mariana’, em homenagem à poeta Marianne Moore. Bishop tinha problemas de depressão que se exacerbaram com a ausência de Lota e fizeram com que buscasse cada vez mais refúgio na bebida. Lota por sua vez tinha problemas psicológicos cuja manifestação mais séria ainda estava por vir.

 Em 1966 Bishop aceitou um cargo de professor da Universidade de Washington, em Seattle, onde iria conduzir alguns workshops de poesia. No verão de 1967 ela passou uma temporada em Nova Iorque e combinou de se encontrar com Lota lá. Na mesma noite em que chegou a Nova Iorque, Lota tomou uma overdose de tranquilizantes, e entrou em um coma fatal de cinco dias. A biografia de Girough não apresenta explicações sobre a motivação de Lota ou sobre o seu estado de espírito, deixando espaço para muita especulação.

 Depois da morte de Lota, Bishop foi passar uma temporada em São Francisco, retornando ao Brasil um ano e pouco depois para uma temporada em Ouro Preto. Ela retornou diversas vezes a Ouro Preto até o ano de 1974.  Entretanto, a presença de Bishop no Brasil, acompanhada de um novo relacionamento, provocou algumas reações hostis por parte de amigos de Lota e de outras pessoas. Após experimentar insinuações, preconceitos, invejas e até acusações ela decidiu vender a casa e não retornou mais ao Brasil. De São Francisco Bishop foi morar entre Cambridge e Boston, após ter sido convidada a lecionar na Universidade de Harvard. O seu apartamento de Boston, de frente para o harbour, era considerado uma galeria de artefatos do Brasil. Bishop faleceu em seis de outubro de 1979 de aneurisma cerebral.

 Meus Encontros com Bishop

De volta à Inglaterra, ao examinar livros à venda em um dos jardins expostos durante o festival open gardens de Yoxford, adquiri uma antologia de poesias de mulheres do século vinte, editada por Fleur Adcock, 1987, apenas pelo fato da mesma ter quinze poesias de Bishop e treze de Marianne Moore (1887-1972), sua mentora e amiga. Essa antologia inclui algumas poesias dedicadas ao Brasil, como ‘Brazil, January 1, 1502’, onde faz um paralelo entre a chegada dos portugueses e a sua própria chegada, ambos tentando entender e conquistar a nova terra. Por algum motivo a antologia não incluiu ‘One Art’ (Uma Arte), sua poesia mais famosa, um arremate de relacionamento escrita no característico estilo de conversação da poeta.  ‘One Art’ é também o título da biografia acima mencionada.

 Poetas famosos como Marianne More (1887-1972) e Robert Lowell (1917-1977) reconheceram o talento de Bishop desde o início e foram seus amigos. Todas as poesias de Bishop têm a ver com o espaço, o tempo e as pessoas ao seu redor, e são escritas num linguajar coloquial e sem afetações. Das paisagens de infância na Nova Escócia às favelas do Rio de Janeiro, a poesia de Bishop cobre variadas relações entre o ser humano e o mundo. As poesias de Bishop costumavam ter uma gestação prolongada; muitas eram deixadas de molho durante anos, para serem concluídas apenas quando fosse capaz de desatar o nó psicológico do tema em questão, e que era uma condição para a atender ao seu gabarito técnico.

 Bishop é também uma importante referência na tradução de poesias. Ela própria traduziu para o inglês alguns poetas modernistas brasileiros, e para o português, os poetas americanos Robert Lowell e Marianne Moore. Mais tarde, uma seleção dos seus poemas referentes à cultura brasileira foram traduzidos para o português por Paulo Henriques Britto e publicado em 1999 pela Companhia das Letras. Ela também escreveu contos e publicou em livros de prosa, como Brazil (1962) e Memories of Uncle Neddt (1976). Aliás, depois de ter encomendado um exemplar de Brazil através de um associado da livraria Amazon é que percebi que eu já conhecia esse livro desde 1971, quando preparava a palestra de exchange student que tinha que fazer na Conard High School, em West Hartford, no estado de Connecticut.

 Fãs Brasileiros de Bishop

Aos poucos Bishop começa a ganhar público no Brasil. A professora Thais Flores Nogueira Diniz, da Universidade Federal de Minas Gerais, escreveu o interessantíssimo ensaio ‘Imagens do Brasil na Poesia de Elizabeth Bishop’, onde explica as entrelinhas do poema ‘The Burglar of Babylon’, ‘O Ladrão da Babilônia’, ao mesmo tempo em que analisa as técnicas de tradução empregadas para capturar a essência da história de Micuçú, um miserável morador de favela que acabou se tornando um fora da lei:

‘The Burglar of Babylon’ (‘O Ladrão da Babilônia’) gira em torno de um personagem que simboliza, ao mesmo tempo, o imigrante do norte, o favelado, e as várias gerações de brasileiros que enfrentam as agruras de pertencerem a uma classe menos favorecida e de serem eternamente perseguidos pela polícia. É a história de Micuçú e tantos outros brasileiros de boa família, que se tornam ladrões por força das circunstâncias. Como as baladas tradicionais americanas, que contam a história dos fora da lei como Jesse James e Sam Bass, o poema narra a história de um brasileiro, também um fora da lei.

O poema inicia com a comparação entre os migrantes que vêm para o Rio de Janeiro e as aves de arribação. São “milhões de pardais”, diz o poema, que migram e param para descansar, fazendo seus ninhos frágeis, “de madeira e papelão”, segundo Paulo Henriques Britto. Esses barracões são construídos provisoriamente como os ninhos das aves migratórias, mas acabam se tornando perenes, “como os liquens”, que grudam e se espalham. Ao virem para o Rio, “os pardais” se instalam nos morros. O herói do nosso poema se instala no Morro da Babilônia, a capital de um antigo Império, local de prazeres e luxúria, a antítese de Jerusalém e do paraíso. Etimologicamente, Babilônia significa “a porta de deus”, porém de um deus pervertido em homem, no que ele tem de mais vil: o instinto de dominação e a luxúria. Como a Babilônia significa também o triunfo passageiro, o lugar onde se aprende magia para usá-la para a destruição, serve bem para simbolizar a moradia de Micuçú, o herói do poema.”

Outra brasileira que se interessou por Bishop é Renata Megale, que lamentou a ausência de relançamentos sobre a autora na ocasião do centenário do seu nascimento e comentou sobre o monólogo de Marta Góes inspirado na vida de Bishop num interessante post publicado em 08/02/2011, no blog Meus Livros, da revista Veja. Escreveu Megale:

‘Centenário de Bishop tem comemoração tímida no Brasil’

 ‘Se o centenário de Bishop não tem a festa merecida no mercado editorial, ele é celebrado no cinema e no teatro. O cineasta Bruno Barreto começa a rodar no segundo semestre deste ano o longa A Arte de Perder, também sobre o romance da poeta com Lota. O elenco já conta com Glória Pires e há boatos de que Jodie Foster seria uma das atrizes americanas cotadas para interpretar a escritora. No teatro, a peça Um Porto para Elizabeth Bishop, monólogo da jornalista e escritora Marta Góes e encenada pela atriz Regina Braga, também tem reestreia prevista para este ano.’

 Segundo os entendidos em poesia, Elizabeth Bishop foi a mais premiada de sua geração de poetas. A lista a seguir mostra os diversos prêmios e honrarias que Bishop recebeu.

 Prêmios e Distinções de Elizabeth Bishop

1945: Houghton Mifflin Poetry Prize Fellowship

1947: Guggenheim Fellowship

1949: Appointed Consultant in Poetry at the Library of Congress

1950: American Academy of Arts and Letters Award

1951: Lucy Martin Donelly Fellowship (awarded by Bryn Mawr College)

1953: Shelley Memorial Award

1954: Elected to lifetime membership in the National Institute of Arts and Letters

1956: Pulitzer Prize for Poetry

1960: Chapelbrook Foundation Award

1964: Academy of American Poets Fellowship

1968: Fellow of the American Academy of Arts and Sciences

1968: Ingram-Merrill Foundation Grant

1969: National Book Award

1969: Ordem do Rio Branco, do governo brasileiro

1974: Harriet Monroe Poetry Award

1976: Books Abroad/Neustadt International Prize

1976: Elected to the American Academy of Arts and Letters

1977: National Book Critics Circle Award

1978: Guggenheim Fellowship

 Conclusão

Examinando a relação acima podemos notar que mais da metade dos prêmios acima listados foram ganhos durante o período em que Bishop morou no Brasil. Este fato levantou minha curiosidade quanto a relação entre Bishop e outros artistas e intelectuais brasileiros. Bishop aprendeu a falar e escrever em português e a preparar pratos da culinária brasileira. Traduziu poesias do inglês para o português e vice-versa. Dentre os poetas brasileiros que Bishop traduziu encontram-se Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Drummond gostou das suas traduções e correspondeu com ela, mas os dois não chegaram a se conhecer pessoalmente. Mas, e os demais poetas que ela traduziu e ajudou a promover nos Estados Unidos? Por acaso algum deles a convidou para qualquer coisa? Quem sabe um café na Confeitaria Colombo quando ela resolvesse descer a serra? Com que outros intelectuais ou artistas brasileiros Bishop conviveu? Por acaso foi convidada para fazer alguma palestra em um dos bons colégios secundários do Rio ou de Petrópolis? Sabemos que ela foi professora visitante da Universidade de Washington, em Seattle, e da Universidade de Harvard, em Cambridge. Será que ela chegou a ser convidada ao menos a proferir um seminário no Departamento de Letras da Faculdade Nacional de Filosofia? No curto período em que morou em São Francisco ela leu poesias em teatros e socializou com outros artistas. Será que fez qualquer coisa parecida em Petrópolis, Rio ou Ouro Preto? Tirando o círculo de amigos de Lota, quantos brasileiros tomaram conhecimento da presença de Bishop no Brasil e desses, quantos chegaram a reconhecer o seu talento enquanto ela ainda estava no Brasil?

 Referências

Adcock, F., Editor (1987). 20th Century Women’s Poetry. Faber & Faber Limited. London, ISBN-0-571-13693-1

Bishop, E. (1962).  Brazil. Part of Life World Library. Time Incorporated. ISBN-10: 0705401545

Bishop, E. and The Editors of Life. (1983).  The Complete Poems, 1927-1979. Farrar, Straus and Giroux. ISBN-10: 0374518173

Girough, Robert (1994). Elizabeth Bishop. One Art’, Farrar, Strauss & Giroux, New York.

Schwartz, L. (1991). Elizabeth Bishop and Brazil. The New Yorker, Sep 30.

 Beccles, 25 de junho de 2012


Veja algumas poesias de Elizabeth Bishop em:http://www.portvitoria.com/poetry_cafe.html


Agradecimento: Isabel Pires, revisão

Jo Pires-O’Brien é editora da revista digital PortVitoria, centrada na cultura ibérica no mundo.

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